Editoria
Um kalyāṇamittā (amigo verdadeiro e praticante do Dhamma) me perguntou se há distinção entre “ver” e “ver diretamente” (janāmi passāmi)1.
Quando os textos em Páli falam de “ver diretamente”, não se referem a um conhecimento que se alimenta do raciocínio ou da memória. Não se trata de um tipo de conhecimento construído por meio de palavras, conceitos, doutrinas ou visões. É o momento em que o véu cai e as coisas são vistas como realmente são (yathābhūta-ñāṇadassana).
Essa visão não pode ser produzida. Ela acontece silenciosa, simples e naturalmente, no campo aberto da experiência. Um sentimento surge, um pensamento desaparece, um som toca o ouvido — e naquele exato momento há um conhecimento direto, sem adição, sem história.
Em termos concretos: é a visão da impermanência (anicca), da insatisfação (dukkha), do não-EU (anattā) em todas as coisas mundanas — não como conceitos, mas como a realidade viva que se desdobra no Agora.
O que é “visto” através do estudo e da reflexão sobre as palavras do Dhamma (pariyatti) é como contemplar o reflexo da lua na água — claro, mas não a lua em si. Através da prática meditativa (paṭipatti), esse insight amadurece até que a distinção entre reflexão e realidade se dissolva. Então, resta apenas a “visão direta”: a contemplação imediata chamada paṭivedha — realização direta. Aqui a busca termina, pois o que foi buscado nunca esteve ausente. Ver a lua com reflexo na água é uma maneira, mas somente veremos a lua real se olharmos diretamente.
Quando o Buda fala dessa “visão direta”, ele aponta para outra dimensão do conhecimento — não o intelecto que analisa e conclui, mas o coração que enxerga através. É o despertar da percepção que surge não de fora, mas naturalmente dentro do silêncio. Nada de novo é acrescentado aqui; em vez disso, o que estava velado desaparece.
Janāmi passāmi, portanto, não é conhecimento sobre algo, mas uma visão pura do que é — como o orvalho se dissolve na luz da manhã, revelando a paisagem que sempre esteve lá.
- Janāmi passāmi — traduzido literalmente: “Eu sei, eu vejo”. Nos textos, isso não se refere a dois atos separados, mas a uma única consciência imediata. É uma visão direta na qual conhecer (ñāṇa) e ver (dassana) coincidem — não pensamento conceitual ou raciocínio, mas uma clareza imediata na qual a realidade se revela. ↩︎