Artigo Walpola Rahula
A Segunda Nobre Verdade é aquela do surgimento ou seja a origem de dukkha (Dukkhāsamudaya – driyasacca). A definição mais popular e conhecida da Segunda Verdade, encontrada em inúmeros lugares nos textos originais, é a seguinte: ‘É esta “sede” (desejo, taṅhā) que produz a reexistência e o re-tornar-se (ponobbhavikā), e que está ligada à ganância apaixonada (nandiragasahagata), ou seja, (1) sede pelos prazeres dos sentidos (Kama-Taṅhā), (2) sede pela existência e o devir (Bhava-Taṅhā) e (3) sede de não-existência (auto aniquilação, vibhavataṇhā).’
É esta ‘sede’, desejo, ganância, ânsia, manifestando-se de várias formas, que dá origem a todas as formas de sofrimento e à continuidade dos seres. Mas não deve ser tomada como a primeira causa, pois não há primeira causa possível, pois, de acordo com o budismo, tudo é relativo e interdependente. Mesmo esta ‘sede’, taṅhā, que é considerada como a causa ou origem de dukkha, depende para seu surgimento (samudaya) de outra coisa, que é a sensação (vedanā), e a sensação surge dependendo do contato (phassa), e assim por diante e assim por diante segue o círculo conhecido como Gênese Condicionada (Paṭicca-samuppāda), que discutiremos mais adiante.
Portanto, taṅhā, ‘sede’, não é a primeira nem a única causa do surgimento de dukkha. Mas é a causa mais palpável e imediata, a “coisa principal” e a “coisa que tudo permeia”. Portanto, em certos lugares dos próprios textos originais em Pāli, a definição de samudaya da origem de dukkha inclui outras impurezas e impurezas (kilesā, sāsavā dhamma), além de taṅhā ‘sede’, que sempre recebe o primeiro lugar. Dentro do espaço necessariamente limitado de nossa discussão, será suficiente se lembrarmos que essa ‘sede’ tem como centro a falsa ideia de um EU surgindo da ignorância.
Aqui, o termo ‘sede’ inclui não apenas o desejo e o apego aos prazeres dos sentidos, riqueza e poder, mas também o desejo e o apego a ideias e ideais, pontos de vista, opiniões, teorias, concepções e crenças (dhamma-taṅhā). De acordo com a análise do Buda, todos os problemas e conflitos no mundo, desde pequenas brigas pessoais em famílias até grandes guerras entre nações e países, surgem dessa ‘sede’ egoísta. Deste ponto de vista, todos os problemas econômicos, políticos e sociais estão enraizados nesta ‘sede’ egoísta. Grandes estadistas que tentam resolver as disputas internacionais e falam de guerra e paz apenas em termos econômicos e políticos tocam nas superficialidades, e nunca vão fundo na verdadeira raiz do problema. Como o Buda disse a Raṭṭhapāla: ‘O mundo carece e anseia, e é escravizado pela ‘sede’ (taṅhādāso).’
Todo mundo admite que todos os males do mundo são produzidos pelo desejo egoísta. Isso não é difícil de entender. Mas como esse desejo, ‘sede’, pode produzir reexistência e re-recompra (Ponobbhavikā) é um problema que não é tão fácil de entender. É aqui que temos que discutir o lado filosófico mais profundo da segunda Nobre Verdade correspondente ao lado filosófico da primeira Nobre Verdade. Aqui devemos ter uma ideia sobre a teoria de Kamma e renascimento.
Existem quatro nutrientes (Āhāra) no sentido de ‘causa’ ou ‘condição’ necessários para a existência e continuidade dos seres: (1) alimentos materiais comuns, (2) contato de nossos órgãos dos sentidos – com o mundo externo (3 ) consciência e (4) volição mental ou vontade.
Desses quatro, a última ‘Volição Mental’ mencionada é a vontade de viver, existir, continuar, para se tornar cada vez mais. Cria a raiz da existência e continuidade, buscando adiante por meio de boas e más ações (Kusalakusalakamma). É o mesmo que ‘Volição’ (Cetana). Vimos anteriormente que a volição é o kamma, como o próprio Buda definiu. Referindo -se a ‘Volição Mental’ mencionada acima do Buda diz: ‘Quando se entende o nutrimento da volição mental, entende as três formas de’ sede ‘(Taṅhā)’.
Assim, os termos ‘sede’, ‘volição’, ‘volição mental’ e ‘kamma’ denotam a mesma coisa: eles dedicam o desejo, a vontade de ser, de existir. Reexistir, tornar-se cada vez mais, crescer cada vez mais, acumular cada vez mais. Essa é a causa do surgimento de Dukkha, e isso é encontrado dentro do agregado de formações mentais, um dos cinco agregados que constituem um ser.
Aqui está um dos pontos mais importantes e essenciais do ensino de Buda. Portanto, devemos marcar de forma clara e cuidadosa e lembrar que a causa, o germe, o surgimento de Dukkha está dentro de Dukkha, e não fora; E devemos lembrar igualmente bem que a causa, o germe, a cessação de Dukkha, da destruição de Dukkha, também está dentro de Dukkha, e não fora. Isso é o que se entende pela fórmula conhecida frequentemente encontrada nos textos originais escritos em Pāli: Yam Kinci Samudayadhammam Sabbam Tam Nirodhadhammam ‘O que quer que seja da natureza de surgir, tudo o que é da natureza da cessação’. Existir, uma coisa, de um sistema, se também possui a natureza do surgimento, a natureza de surgir, também tem em si a natureza, o germe, de sua própria cessação e destruição. Assim, Dukkha (cinco agregados) tem em si a natureza de seu próprio surgimento e também tem em si a natureza de sua própria cessação. Este ponto será realizado novamente na discussão da terceira nobre verdade, Nirodha.
Agora, a palavra Pāli kamma ou a palavra sânscrita karma (da raiz kr para fazer) significa literalmente ‘ação’, ‘fazendo’. Mas na teoria budista do kamma, tem um significado específico: significa apenas ‘ação volitiva’, nem toda ação é kamma. Nem significa o resultado de Kamma, pois muitas pessoas o usam de maneira errônea e livremente. Na terminologia budista, Kamma tem um significado específico: significa apenas ‘ação volitiva’, nem toda ação produzirá kamma. Não significa o resultado de Kamma, pois muitas pessoas o usam de forma incorreta e vagamente. Na terminologia budista, Kamma nunca significa seu efeito; seu efeito é conhecido como ‘fruta’ ou ‘resultado’ de Kamma (Kamma-Phala ou Kamma-vipāka). A vontade pode ser relativamente boa ou ruim, assim como um desejo pode ser relativamente bom ou ruim. Portanto, o kamma pode ser bom ou ruim relativamente. O bom Kamma (Kusalā) produz bons efeitos, e o Mau Kamma (Akusalā) produz efeitos ruins. ‘Sentido’, Volição, Kamma, seja BOM ou seja MAL, tem uma força como seu efeito: força a continuar – a continuar em uma boa direção ou na direção ruim. Seja bom ou ruim, é relativo e está dentro do ciclo de continuidade (Saṁsāra) do existir. Um Arahant, embora ele atue e iva ainda no mundo, não acumula Kamma, porque está livre da ‘sede’ de continuidade e se tornou, livre de todas as outras contaminação e impurezas (Kilesā, Sāsavā Dhamma). Para ele, não haverá renascimento mais neste mundo.
A teoria do karma não deve ser confundida com a chamada ‘justiça moral’ ou ‘recompensa e punição’. A ideia de justiça moral, ou recompensa e punição, surge da concepção de um ser supremo, um deus, que está julgando, que é doador da lei e que decide o que é certo e errado. O termo ‘justiça’ é ambíguo e perigoso, e em seu nome mais mal do que o bem é feito à humanidade. A teoria do kamma é a teoria da causa e do efeito, da ação e da reação; É uma lei natural, que não tem nada a ver com a ideia de justiça ou recompensa e punição.
Toda ação volitiva produz seus efeitos ou resultados. Se uma boa ação produz bons efeitos e uma ação ruim, efeitos ruins, não é justiça, não é recompensa ou punição cumprida por alguém ou qualquer poder superior que julgue sua ação, mas isso é em virtude de sua própria natureza, sua própria lei. Isso não é difícil de entender. Mas o que é difícil é que, de acordo com a teoria do kamma, os efeitos de uma ação volitiva possam continuar se manifestando mesmo em uma vida após a morte. Aqui temos que explicar o que é a morte de acordo com o budismo.
Vimos anteriormente que um ser nada mais é do que uma combinação de forças ou energias físicas e mentais. O que chamamos de morte é o não funcionamento total do corpo físico. Todas essas forças e energias param completamente com o não funcionamento do corpo? O budismo diz ‘não’. Vontade, volição, desejo, sede de existir, continuar a se tornar cada vez mais, é uma força tremenda que move vidas do mundo inteiro, existências inteiras, que até move o mundo inteiro. Segundo o budismo, essa força não para com o não funcionamento do corpo, que é a morte; mas continua se manifestando de outra forma, produzindo reexistência que é chamada de renascimento.
Agora, surge outra pergunta: se não há entidade ou substância permanente e imutável como eu ou alma (Atman), o que é que pode reexistir ou renascer após a morte?
Antes de irmos à vida após a morte, vamos considerar o que é esta vida e como ela continua agora. O que chamamos de vida, como muitas vezes repetimos, é a combinação dos cinco agregados, uma combinação de energias físicas e mentais. Estes estão mudando constantemente; eles não permanecem os mesmos por dois momentos consecutivos.
Todo momento em que nascem e morrem. – Quando os agregados surgirem, decairem e morrerem, o bhikkhu, a todo momento em que você nasce, decai e morre.
Assim, mesmo agora durante esta vida, todo momento nascemos e morremos, mas continuamos. Se podemos entender que nesta vida podemos continuar sem uma substância permanente e imutável como EU ou alma, por que não podemos entender que essas forças em si podem continuar sem um EU ou uma alma por trás deles após o não funcionamento do corpo? Quando esse corpo físico não é mais capaz de funcionar, as energias não morrem com ele, mas continuam tomando outra forma ou forma, que chamamos de outra vida. Em uma criança, todas as faculdades físicas, mentais e intelectuais são ternas e fracas, mas elas têm dentro delas o potencial de produzir um homem adulto. As energias físicas e mentais que constituem o chamado ser têm em si o poder de assumir uma nova forma, crescer gradualmente e reunir força ao máximo.
Como não há substância permanente e incansável, nada passa de um momento para o outro. Então, obviamente, nada permanente ou imutável pode passar ou transmigrar de uma vida para a outra. É uma série que continua ininterrupta, mas muda a cada momento. A série é, realmente falando, nada além de movimento. É como uma chama que queima a noite: não é a mesma chama nem é outra. Uma criança de seis anos cresce para ser um homem de sessenta. Certamente o homem de sessenta não é o mesmo que o filho de sessenta anos atrás, nem é outra pessoa.
Da mesma forma, um homem morre aqui e renascido em outros lugares não é a mesma pessoa, nem outra. É a continuidade da mesma série. A diferença entre morte e nascimento é apenas um momento de pensamento: o último momento de pensamento desta vida condiciona o primeiro momento de pensamento na chamada próxima vida, que de fato, é a continuidade da mesma série. Durante a própria vida, também, um momento de pensamento condiciona o próximo momento de pensamento. Portanto, do ponto de vista budista, a questão da vida após a morte não é um grande mistério, e um budista nunca está preocupado com esse problema.
Enquanto houver essa ‘sede’ a se tornar, o ciclo de continuidade (Saṁsāra) continua. Só pode parar quando sua força motriz, essa ‘sede’, for cortada pela sabedoria que vê a realidade, a verdade, o Nibbāna.