Bhikkhu Anālayo
Uma diferença decisiva entre o Buda e seus discípulos completamente despertos é a sua descoberta do caminho para o despertar (S.N. 22.58), que lhe permitiu ensinar outros para que também pudessem alcançar a liberdade total das impurezas. As fontes textuais antigas mostram que essa descoberta foi o resultado final de uma busca prolongada, durante a qual o futuro Buda explorou várias abordagens que, no contexto da antiga Índia, eram consideradas capazes de levar à libertação. Embora, no curso de sua busca, ele tenha descartado várias dessas abordagens por não conduzirem ao tipo de liberdade que ele buscava, relatos indicam que ele ainda fez uso de elementos essenciais dessas práticas ao ensinar seus discípulos, embora de uma forma ajustada ao seu ensino do Caminho do Meio. Tais ajustes envolvem, em particular, a incorporação da Atenção Plena (mindfulness) de uma forma ou de outra. Examinar as transformações dessas práticas antigas da Índia, de modo que se tornassem parte do caminho budista para a Libertação, pode lançar luz sobre o potencial e a adaptabilidade da Atenção Plena no pensamento budista inicial.
A Busca do Buda pelo Despertar
Os discursos iniciais não apresentam uma biografia abrangente do Buda, uma preocupação refletida apenas em textos posteriores compostos muito depois de sua morte. Por essa razão, as informações sobre a vida do Buda precisam ser coletadas em fragmentos de vários discursos antigos, onde tais informações tendem a aparecer como parte da ilustração de um ponto doutrinário específico. O ensino em si era evidentemente a principal preocupação no período inicial, em comparação com a qual o Buda como indivíduo recebeu importância relativamente menor.
Com base na combinação dos fragmentos de informações obtidos por meio de um estudo comparativo dos discursos iniciais (Anālayo 2017), a busca do Buda pelo despertar pode ser resumida da seguinte forma: Após sua renúncia, o futuro Buda seguiu um caminho meditativo relacionado ao cultivo da Tranquilidade Mental. Tendo aprendido a superar obstáculos à absorção meditativa, ele se colocou sob a orientação de dois professores da antiga Índia e eventualmente atingiu as esferas imateriais do nada e da nem-percepção e nem-não-percepção. Insatisfeito com tais realizações elevadas, ele mudou sua abordagem e se engajou no ascetismo. Uma inspeção mais detalhada das fontes antigas mostra que essas práticas ascéticas incluíam, em particular, o controle forçado da Mente, o controle da Respiração e o Jejum. O modo de abordagem ascética também se mostrou infrutífero, e foi somente quando ele abandonou o ascetismo e recuperou sua força corporal que ele finalmente descobriu o Caminho do Meio da prática que o levou ao despertar.
No que, de acordo com a tradição, foi seu primeiro ensino público, o Buda colocou de lado o ascetismo como um dos dois extremos a serem evitados para navegar com sucesso por esse caminho do meio (Anālayo 2012 e 2013). No entanto, cada uma das três principais práticas ascéticas mencionadas acima tem uma contraparte nas práticas que os discursos iniciais relatam que o Buda ensinou a seus discípulos.
Jejum
A última das práticas ascéticas realizadas pelo Buda durante sua busca pelo despertar foi uma forma severa de jejum, que, segundo relatos, reduziu seu corpo a um estado lastimável de fraqueza e o levou à beira da morte. Do ponto de vista de sua eventual realização do despertar, tal jejum decididamente não é o caminho a ser seguido. No entanto, os diferentes códigos de disciplina monástica mostram que o Buda tornou o jejum intermitente obrigatório para seus discípulos monásticos (Pachow 1955). Isso assume então a forma de abster-se de alimentos sólidos durante o período do meio-dia até o nascer do sol do dia seguinte. Praticantes leigos adotam o mesmo tipo de jejum intermitente em dias especiais de observância (uposatha). Em outras palavras, alguma abstinência de alimentos é recomendável, desde que permaneça dentro dos limites do caminho do Meio e não resulte em um dos dois extremos a serem evitados.
Além dessa adoção do jejum intermitente, uma dimensão talvez ainda mais importante é a necessidade de estar atento ao comer. Isso aparece regularmente em relatos do caminho gradual de prática para aqueles que renunciaram à vida secular, descrito sob o título de “conhecer a medida com a comida” (bhojane mattaññu / bhojane mātrajñaḥ). Para apoiar o estabelecimento da atitude correta para conhecer a medida, um discurso no Dīrgha-āgama oferece as seguintes analogias para ilustrar a mentalidade recomendável em relação à comida:
“É como uma pessoa que aplica remédio em uma ferida para curá-la, não buscando adornar-se bem, nem por orgulho pessoal. Jovem brâmane, da mesma forma, um monge toma alimento suficiente para sustentar o corpo, sem nutrir indulgência.
Além disso, é como lubrificar [o eixo de] uma carroça, desejando torná-la móvel e utilizável, para transportar uma carga a algum lugar. Da mesma forma, um monge toma alimento suficiente para sustentar o corpo, desejando que ele sirva para praticar o caminho.”
Embora o paralelo em Pāli desse discurso (chinês) do Dīrgha-āgama não contenha essas analogias, uma apresentação comparável pode ser encontrada em outro discurso em Pāli do qual, de outra forma, não se conhecem paralelos:
“Monges, é como uma pessoa que unge uma ferida apenas com o propósito de curá-la, ou como alguém que lubrifica um eixo apenas com o propósito de transportar uma carga. Da mesma forma, monges, um monge consome comida com reflexão sábia.” (Saṃyutta Nikāya 35.198)
(seyyathā pi, bhikkhave, puriso vaṇaṃ ālimpeyya yāvad eva ropanatthāya, seyyathā vā pana akkhaṃ abbhañjeyya yāvad eva bhārassa nittharaṇatthāya. evaṁ kho, bhikkhave, bhikkhu paṭisaṅkhā yoniso āhāraṃ āhāreti).
Semelhante ao jejum intermitente, a necessidade de conhecer a medida com a comida também se aplica aos praticantes leigos. Um exemplo disso é uma instrução sobre alimentação consciente dada ao Rei Pasenadi para ajudá-lo a superar uma tendência a comer em excesso:
“As pessoas que estão constantemente atentas
Conhecem a medida com a comida que obtiveram.”
(S.N. 3.13: manujassa sadā satīmato, mattaṃ jānati laddhabhojane).
“As pessoas devem recolher-se com atenção plena,
Conhecendo a medida com qualquer alimento.
As pessoas devem constantemente recordar-se com Atenção Plena
De que, ao receber comida e bebida, devem conhecer a medida.”
A formulação nesta instrução deixa explícito o que também estaria implícito na instrução para os monges sobre o cultivo do conhecimento da medida com a comida, ilustrado com os exemplos de ungir uma ferida ou lubrificar um eixo de uma carreta, pois tal prática depende da Atenção Plena. Em resumo, em vez de optar por abster-se completamente de comida, o elemento-chave passa a ser a presença da atenção plena ao comer. Isso envolve uma mudança de ênfase, de exercer uma forma física de controle para as habilidades observacionais e o potencial da Atenção Plena.
Controle da Respiração
Antes de tentar um jejum completo, o futuro Buda supostamente dedicou-se a várias formas de controle da respiração. No caso desse tipo de prática, a transformação efetuada pela Atenção Plena é particularmente notável. Em vez de tentar controlar a respiração, a exigência passa a ser simplesmente permanecer presente com atenção plena ao fluxo natural da respiração. Como no caso anterior, a chave é uma mudança de ênfase, de exercer uma forma física de controle para as habilidades e o potencial da Atenção Plena. As instruções resultantes dessa mudança de perspectiva incutem uma observação receptiva, permanecendo consciente das inalações e exalações conforme ocorrem naturalmente, de uma forma que enfatiza a receptividade aberta da atenção plena, em vez de se preocupar apenas com o cultivo da atenção focada. Dos dezesseis passos distintos de prática delineados nas instruções para a atenção plena na respiração, apenas os dois primeiros dizem respeito à respiração em si. A tarefa nesses dois primeiros passos é discernir o comprimento da respiração como longa ou curta. Os catorze passos restantes, em vez disso, exigem contemplar vários aspectos da experiência meditativa enquanto se permanece consciente do fluxo natural das inalações e exalações. A progressão evidente dessa forma está alinhada com os quatro fundamentos da Atenção Plena.
A primeira tétrade das instruções sobre a atenção plena na respiração corresponde à contemplação do corpo, o segundo à contemplação dos sentimentos, o terceiro à contemplação da mente, e o último introduz várias perspectivas de insight que se baseiam na consciência da impermanência, cumprindo assim a contemplação dos fenômenos (dhammas). Dessa forma, a respiração como objeto de meditação passa a servir de base para o cultivo de todos os Quatro Fundamentos da Atenção Plena.
Na versão em Pāli das instruções relevantes, a mudança de prestar Atenção à respiração em si nos dois primeiros passos para outros modos de contemplação reflete-se no uso de formas verbais distintas para designar cada uma das respectivas tarefas meditativas. Para os dois primeiros passos, a tarefa é de conhecer (pājānati), enquanto, nos passos restantes, a atividade requerida é treinar-se (sikkhati).
Giustarini (2020) argumentou, no entanto, que não há uma diferença real entre a tarefa do praticante de primeiro conhecer e depois treinar, assumindo que o último verbo é usado meramente porque as instruções correspondentes empregam formas verbais futuras. Essa sugestão ignora o fato de que uma descrição da prática do próprio Buda (Saṃyutta Nikāya 54.11) usa “ele conhece” em todo o texto e, portanto, também para todas as instâncias que envolvem formas verbais futuras. O próximo discurso na mesma coleção em Pāli (S.N. 54.12) transmite a ideia de que, como os obstáculos mentais foram completamente erradicados no caso de um ser plenamente desperto, não há mais necessidade de “treinar” (Anālayo 2019). No entanto, para aqueles que ainda não alcançaram tal liberdade total dos obstáculos, algum treinamento ainda seria necessário.

Controle do Pensamento
A primeira das principais práticas ascéticas empreendidas pelo futuro Buda envolve uma tentativa de forçar estados mentais prejudiciais a saírem da mente. Essa abordagem foi incluída em uma lista de métodos sucessivos para superar pensamentos prejudiciais, apresentada no Vittakkasaṇṭtāna Sūtta e em seu paralelo. A prática real descrita nos dois discursos pertence ao domínio do Esforço Correto. Se pensamentos prejudiciais forem notados com Atenção Plena, mas persistirem, medidas mais ativas do que apenas observar com atenção plena precisam ser empregadas. Os dois discursos listam cinco desses métodos (Catherine 2022). Os primeiros quatro podem ser resumidos como recomendando as seguintes ações:
1. Direcionar a atenção para algo saudável.
2. Perceber o perigo do que está acontecendo.
3. Simplesmente deixar de lado a questão, em questão.
4. Relaxar gradualmente a força motivacional por trás do que está ocorrendo.
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Referências Bibliográficas
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