Bhikkhu Thanissaro
Por causa de sua fraqueza, ele atinge apenas lentamente o imediatismo [Comentário: a concentração que formava o caminho] que leva ao final dos efluentes. Isso é chamado de prática dolorosa com lenta intuição.
Isso pode incluir uma sensação de quanta prática é suficiente, uma sensação dos próprios pontos fortes e fracos, uma sensação de tempo, uma sensação de colegas de equipe e adversários e assim por diante. AN vii.64 [28] fornece uma lista semelhante dos princípios que caracterizam uma boa pessoa, muitos dos quais não podem ser verbalizados em regras simples: conhecimento do Dhamma, conhecimento do significado das declarações, uma sensação de suas próprias forças e fraquezas, um senso de moderação no uso dos requisitos da vida, um senso do tempo e uma estação adequados para fazer as coisas, um sentido de diferentes níveis de sociedades e uma sentido de como julgar as pessoas.
‘Suponha que um cachorro, vencido pela fraqueza e fome, se deparasse com um matadouro, e lá um açougueiro qualificado ou o aprendiz de açougueiro estavam jogando para ele uma cadeia de ossos – completamente raspada, sem qualquer carne, manchada de sangue. O que você acha: o cachorro, roendo a cadeia de ossos – completamente raspada, sem carne, manchada de sangue – apaziguar sua fraqueza e fome? ‘
‘Não, Senhor. E por que isto? Porque a cadeia de ossos é completamente raspada, sem carne, e manchada de sangue. O cachorro não teria nada além de cansaço e irritação.’
Um dos ensinamentos budistas clássicos sobre esperança e medo refere-se aos chamados oito Dhammas materiais [ou oito dhammas mundanos], que são pares de opostos: quatro de que gostamos e a que nos apegamos, e quatro de que não gostamos e tentamos evitar. A mensagem básica é a de que sofremos quando ficamos envolvidos neles.
Em primeiro lugar, gostamos do prazer e somos apegados a ele. Ao contrário, não gostamos da dor. Em segundo lugar, gostamos de elogios e somos atraídos por eles. Tentamos evitar a crítica e evitar a culpa. Em terceiro, gostamos de prestígio e damos valor a ele. Não gostamos da desonra(crítica) e tentamos evitá-la. Finalmente, somos apegados ao ganho, a conseguir aquilo que desejamos. Não gostamos de perder o que possuímos.
Não querer a dor (sofrimento); aceitar o que vier
Querer ter o prazer (desfrutar); Praticar a Meditação
Não querer a crítica (desonra); Caminho Óctuplo
Querer ser elogiado (honrado); anular o EU (ego)
Não querer ser ignorado; Praticar meditação
Querer ser famoso (ego); Praticar meditação
Não querer perder nada (apego); fazer doações materiais e voluntárias
Querer ter ganhos (ganância). desapegar dois bens materiais e pessoais
De acordo com esse ensinamento muito simples, estar imerso nesses quatro pares de opostos — o prazer e dor, perda e ganho, prestígio e desonra, crítica e culpa — é o que nos mantém presos ao sofrimento do saṁsāra.
Sempre que nos sentimos bem, nossos pensamentos são geralmente sobre os aspectos de que gostamos — louvor(elogio), ganho, prazer e prestígio. Quando nos sentimos insatisfeitos, irritados e fartos, nossos pensamentos e emoções estão, provavelmente, girando em torno de algo como dor, perda, desonra(crítica) e culpa.
Vamos tomar o louvor(elogio?) e a culpa. Alguém chega até nós e diz: “Você está velho”. Se acontece de querermos ser velhos, vamos nos sentir muito bem. Ouvimos isso como elogio, sentimos grande prazer e um sentimento de ganho e prestígio. Entretanto, imagine que passamos o ano inteiro obcecados pela ideia de nos livramos de nossas rugas e de termos uma linha do queixo mais firme. Quando alguém diz “Você está velho”, encaramos isso como um insulto. Acabamos de ser criticados e experimentamos um sentimento de dor correspondente.
Mesmo se pararmos agora de falar sobre esse ensinamento específico, já é possível perceber que muitas de nossas variações de humor estão relacionadas com a maneira pela qual interpretamos o que acontece. Se olharmos atentamente para as alterações de nossos estados de espírito, veremos que sempre existe algo que as desencadeia. Carregamos uma realidade subjetiva que está continuamente fazendo disparar reações emocionais. Alguém diz “você está velho” e entramos em um estado mental específico — de alegria ou tristeza, de encanto ou aborrecimento. Para outra pessoa, a mesma experiência pode ser completamente neutra.
Palavras são faladas, cartas são recebidas, telefonemas são dados, o alimento é ingerido, as coisas acontecem ou não acontecem. Acordamos pela manhã, abrimos os olhos e as situações sucedem-se o dia todo, até que vamos dormir novamente. Mesmo durante o sono, muita coisa acontece. Durante toda a noite, encontramos as pessoas e situações de nossos sonhos. Como reagimos ao que ocorre no sonho? Somos apegados a determinadas experiências? Rejeitamos ou evitamos outras? Quanto somos fisgados pelos oito Dhammas materiais?
A ironia está no fato de que somos nós mesmos que os construímos, por meio de reações ao que nos acontece. Eles não são concretos em si mesmos. Mais estranho ainda é o fato de também não sermos tão sólidos assim. Temos um conceito a respeito de nós mesmos que reconstruímos momento a momento e tentamos proteger por reflexo. Entretanto, esse conceito que estamos protegendo é questionável. É tudo “muito barulho por nada” — como empurrar e puxar uma ilusão que se desfaz.
Podemos achar que, de algum modo, devemos tentar erradicar esses sentimentos de prazer e dor, perda e ganho, louvor e culpa, prestígio e desonra. Entretanto, seria uma abordagem mais realista tentar conhecê-los, ver como eles nos fisgam, observar como colorem nossa percepção da realidade, perceber que não são assim tão sólidos. Então, os oito dharmas materiais se transformariam em meios para nos tornarmos mais sábios, bondosos e felizes.
Para começar, durante a Meditação, podemos perceber como as emoções e os estados de humor estão relacionados com ter ganhado ou perdido algo, ter sido elogiado ou acusado, e assim por diante. É possível notar que aquilo que começa como um simples pensamento, uma mera qualidade de energia, rapidamente se manifesta sob uma forma desenvolvida de prazer ou sofrimento. É claro que precisamos de uma certa coragem, já que gostaríamos que tudo ficasse na coluna do prazer/louvor/prestígio/ganho. Gostaríamos de nos assegurar de que tudo vai ser a nosso favor. No entanto, quando olhamos bem, vemos que não temos nenhum controle sobre o que nos acontece. Temos todo tipo de alteração de humor e reação emocional. Elas simplesmente vêm e vão, interminavelmente.
Às vezes, seremos completamente aprisionados por um drama. Ficaremos tão aborrecidos quanto ficaríamos se alguém entrasse na sala e nos desse um tapa no rosto. Nesse momento é possível pensar: “Espere um pouco — o que está acontecendo?”. Olhamos para a situação e conseguimos enxergar que, de repente, sentimos que perdemos algo ou fomos insultados. Não sabemos de onde vem essa sensação, mas lá estamos nós, mais uma vez fisgados pelos oito dhammas materiais.
Exatamente nesse momento, podemos sentir essa energia, fazer o máximo para permitir que os pensamentos se dissolvam e dar a nós mesmos uma folga. Para além de todo o estardalhaço e confusão, existe um céu enorme. Bem ali, no meio da tempestade, podemos parar e relaxar.
Podemos também ser completamente levados por uma deliciosa, prazerosa fantasia. Olhamos para a situação e, do nada, sentimos que ganhamos, vencemos, fomos elogiados por algo. O que surge foge ao nosso controle e é totalmente imprevisível, como as imagens de um sonho. Entretanto, assim que se inicia, somos mais uma vez fisgados pelos oito dharmas materiais.
Os seres humanos são tão previsíveis! Um pequeno pensamento surge, cresce, e antes que possamos saber o que aconteceu, somos tomados pela esperança e pelo medo.
No século VIII, um homem notável introduziu o budismo no Tibete. Seu nome era Padmasambhava, o Nascido do Lótus. Era também chamado de Guru Rinpoche. A lenda conta que, certa manhã, ele simplesmente apareceu sentado em um lótus, no meio de um lago. Diz-se que essa criança incomum nasceu totalmente desperta, sabendo, desde o primeiro momento, que os fenômenos — exteriores e interiores — não possuem nenhuma realidade. O que ele não sabia era como funcionavam os fatos da vida cotidiana. Era um menino muito curioso. Percebeu, desde o primeiro dia, que atraía a todos com seu brilho e beleza. Notou também que, quando estava alegre e bem-humorado, as pessoas ficam felizes e o cobriam de elogios. O rei desse país ficou tão cativado por essa criança que levou Guru Rinpoche para viver em seu palácio e o tratava como filho.
Então, um dia, o menino foi brincar no alto do palácio, levando consigo os instrumentos rituais do rei: um sino e um cetro de metal chamado vajra. Feliz, dançava por ali, fazendo soar o sino e girando o vajra. Então, como grande curiosidade, atirou-os no espaço. Eles caíram rua abaixo, sobre a cabeça de duas pessoas que passavam, matando-as imediatamente. O povo daquele país sentiu-se tão ultrajado que exigiu que o rei expulsasse Guru Rinpoche. Nesse mesmo dia, sem bagagem ou alimento, ele saiu sozinho para a floresta.
Essa criança curiosa havia aprendido uma poderosa lição sobre o funcionamento do mundo. A história conta que, esse breve mas vívido encontro com o elogio e a culpa era tudo de que precisava para compreender o movimento do saṁsāra na vida cotidiana. A partir desse momento, abandonou a esperança e o medo, e trabalhou com entusiasmo para despertar os outros.
Também possamos viver assim. Em tudo que fazemos, podemos explorar esses pares opostos tão familiares. Em vez de cair automaticamente nos padrões habituais, podemos começar a perceber como reagimos quando alguém nos faz um elogio. Como reagimos quando alguém nos culpa? Como reagimos quando perdemos alguma coisa? E quando achamos que ganhamos algo? Quando sentimos prazer ou dor, isso é simples? Apenas sentimos prazer ou dor? Ou existe todo um roteiro que se desenrola paralelamente?
Quando nos tornamos inquisitivos sobre esses fatos, olhamos para eles, vemos quem somos e o que fazemos com a curiosidade de uma criança, aquilo que parecia um problema transforma-se em fonte de sabedoria. Estranhamente, essa curiosidade começa a cortar pela raiz o que chamamos de sofrimento do ego ou egocentrismo e enxergamos com mais clareza. Normalmente, somos levados por eles em qualquer dessas direções, reagimos com nosso estilo habitual e nem ao menos percebemos o que está acontecendo. Antes de nos darmos conta, já escrevemos uma novela sobre os grandes erros de alguém, sobre nossos grandes acertos, ou sobre nossas justas razões para conseguir isso ou aquilo. Quando começarmos a compreender esse processo como um todo, ele se torna muito mais leve.
Somos como crianças construindo um castelo de areia. Nós o enfeitamos com lindas conchas, pedaços de madeira e caquinhos de vidro colorido. O castelo é nosso, sabemos que, inevitavelmente, ele será levado pela maré. O truque está em desfrutar dele ao máximo, sem se apegar e, quando chegar uma onda, deixar que ele se dissolva no mar.
Permitir que as coisas se dissolvam é, às vezes, chamado de desapego, mas sem a qualidade fria e distante que frequentemente se associa a essa palavra. Neste caso, o desapego inclui mais bondade e profunda intimidade. Na verdade, é um desejo de conhecer semelhante à curiosidade de uma criança de três anos. Queremos conhecer nossa dor para podermos parar de fugir interminavelmente. Querer conhecer nosso prazer para podermos parar de agarrar continuamente. Então, de algum modo, nossas perguntas tornam-se mais amplas e nossa curiosidade, mais vasta. Queremos entender a perda, de modo que possamos compreender os demais quando sua vida desmorona. Queremos entender o ganho, para que possamos compreender outras pessoas quando estão encantadas ou quando se tornam arrogantes, empolgadas e envaidecidas.
Quando nos tornamos mais perspicazes e compassivos diante de nossas próprias dificuldades, espontaneamente sentimos mais ternura pelos outros seres humanos. Ao conhecer nossa própria confusão, ficamos mais dispostos e capazes para colocar a mão na massa e tentar aliviar a confusão dos outros. Se não olharmos para a esperança e o medo, observarmos os pensamentos que surgem e a reação em cadeia que se segue — se não nos treinarmos para ficar sentados, unidos a essa energia, sem sermos tomados pelo drama —, vamos sempre sentir medo. O mundo em que vivemos, as pessoas que encontramos, os seres que surgem no vão da porta — tudo vai se tornar cada vez mais ameaçador. Portanto, começamos simplesmente olhando para nossos próprios corações e mentes. Provavelmente, começamos a olhar porque nos sentimos inadequados ou estamos sofrendo e queremos entrar nos eixos. Gradualmente, entretanto, nossa prática evolui. Começamos a compreender que, assim como nós, outras pessoas estão também sendo fisgadas pela esperança e medo. Por toda parte, vemos a angústia causada pela crença nos oito dharmas materiais. Fica também bastante óbvio que as pessoas precisam de ajuda e que não há como ajudar alguém sem antes começar consigo mesmo.
Nossa motivação para a prática começa a mudar e desejamos nos tornar mais suaves e sensatos pelo bem de outras pessoas. Ainda desejamos ver como nossa mente funciona e como somos seduzidos pelo saṁsāra, mas não mais apenas por nós mesmos. Passa a ser por nossos companheiros, filhos, chefes — pelo dilema humano em sua totalidade.
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