Venerável Ajahn Anan Akiñcano
Paz do Coração e os Estágios da Concentração
Quando o coração se acalma pela repetição do mantra “Buddho“ em sincronia com a inspiração e a expiração, chega um momento em que o mantra já não é necessário. Com o coração tranquilo, sereno e em paz, basta simplesmente estar consciente do fluxo natural da respiração.
Nesse estado de quietude, diversas sensações físicas podem surgir. Às vezes, há a impressão de que o corpo se expande, ocupando todo o espaço da sala de meditação, como se tocasse o teto. Podem surgir formigamentos, ondas de energia vibrante percorrendo o corpo ou até mesmo a sensação de leveza extrema, como se o corpo estivesse flutuando no espaço. Esse êxtase — conhecido como pīti — pode ser tão intenso que o corpo parece perder seu peso habitual.
Com o pīti, o corpo sente-se leve e relaxado, e a mente permanece em paz e serenidade. Essa experiência de tranquilidade momentânea, em que a mente alcança um estado de concentração inicial, é chamada de khaṇika[1] samādhi — samādhi momentâneo. Se essa calma se prolongar por cinco, dez, quinze ou até trinta minutos, o coração adentra um estado mais profundo, conhecido como upacāra samādhi, uma concentração que está próxima da quietude total do jhāna.
Nesse estágio, a mente ainda não está completamente imóvel. Pode-se compará-la ao movimento sutil de um pêndulo, oscilando levemente entre a respiração e a consciência dela. Essa atividade mental mínima é a manifestação de vitakka e vicāra direcionados ao objeto da meditação. Vitakka é o impulso inicial que leva a mente a se fixar na respiração, enquanto vicāra é a atenção contínua que a mantém ali, sem se dispersar.
Em upacāra samādhi, surgem também pīti (êxtase) e sukha (bem-aventurança). Enquanto pīti se caracteriza por uma energia vibrante e arrebatadora, sukha traz uma satisfação profunda e serena, um contentamento que fortalece e estabiliza a mente. Quando sukha se intensifica, a agitação mental cessa por completo. A mente já não oscila; repousa em si mesma, imóvel e em paz. Mesmo que se tente pensar, não há mais interesse no externo. As impressões sensoriais não são registradas, e nenhum pensamento surge.
Nesse estágio, vitakka e vicāra já não são atividades mentais no sentido comum — apenas um resquício de pīti permanece. À medida que pīti e sukha se refinam, a mente se unifica em um estado de concentração chamado ekaggatā. Quando os cinco fatores — vitakka, vicāra, pīti, sukha e ekaggatā — estão plenamente desenvolvidos, a mente entra no Primeiro Jhāna.
Nota sobre Vitakka e Vicāra – Embora vitakka[1] seja frequentemente traduzido como “pensamento”, no contexto meditativo, refere-se ao ato de direcionar a mente para o objeto de concentração, como a respiração. Vicāra, por sua vez, não é mera ruminação mental, mas a atenção sustentada que mantém a mente fixa na respiração, sem desviar. É essa constância que permite ao coração se estabilizar em pīti, sukha e, finalmente, em ekaggatā, conduzindo-o à absorção meditativa. Por ora, explicarei apenas até este ponto.
[1] Contemplar, pensar, (vitakkana = refletir)
[1] instável, momentâneo, temporário, evanescente, mutável

