Bikkhu Bodhi
A Missão do Buda
Perguntar por que o ensinamento do Buda provou ser tão atraente e ganhou tantos seguidores entre todos os setores da sociedade do nordeste da Índia é levantar uma questão que também é relevante para nós hoje. Pois vivemos em uma época em que o budismo está exercendo um forte apelo sobre um número crescente de pessoas, especialmente entre aquelas cujo nível de educação e capacidade de reflexão as tornou indiferentes às reivindicações da religião revelada. Acredito que o sucesso notável do budismo, bem como seu apelo contemporâneo, pode ser compreendido principalmente em termos de dois fatores: um, o objetivo do ensinamento; e o outro, suas características metodológicas.
O Objetivo do Ensinamento
Ao contrário das chamadas religiões reveladas, que se baseiam na fé em doutrinas não verificáveis, o Buda formulou seu ensinamento de uma forma que aborda diretamente o problema crítico no cerne da existência humana — o problema do sofrimento — e ele promete que aqueles que seguem seu ensinamento até o fim perceberão aqui e agora a mais alta felicidade e paz. Todas as outras preocupações além disso, como dogmas teológicos, sutilezas metafísicas, rituais e regras de adoração, o Buda ignora como irrelevantes para a tarefa em questão, o desvendamento do problema do sofrimento.
Características do Ensinamento (DHAMMA)
1. Autoconfiança. Esta discussão sobre o objetivo do ensinamento do Buda nos leva às características do ensinamento. Uma de suas características mais atraentes, intimamente relacionada à sua orientação psicológica, é sua ênfase na autoconfiança. Para o Buda, a chave para a libertação é a pureza mental e a compreensão correta, e por esta razão ele rejeita a noção de que podemos ganhar a salvação apoiando-nos em qualquer autoridade externa.
2. Ênfase experiencial. Como a sabedoria ou o insight são os principais instrumentos da Iluminação, o Buda sempre pediu a seus discípulos que o seguissem com base em seu próprio entendimento, não por obediência ou confiança inquestionável. Ele chama seu Dhamma de ehipassiko, que significa “Venha e veja por si mesmo”. Ele convida os inquiridores a investigar seus ensinamentos, examiná-los à luz de sua própria razão e inteligência e obter a confirmação de sua verdade por si mesmos. Diz-se que o Dhamma é paccattam veditabbo viññūhī, “para ser pessoalmente compreendido pelos sábios”, e isso requer inteligência e investigação sustentada.
3. Universalidade. Como os ensinamentos do Buda lidam com o mais universal de todos os problemas humanos, o problema do sofrimento, ele fez de seus ensinamentos uma mensagem universal, uma que foi endereçada a todos os seres humanos unicamente em razão de sua humanidade. Na época em que o Buda apareceu na cena indiana, os ensinamentos religiosos mais elevados, registrados nos Vedas, eram reservados para os brâmanes, uma elite privilegiada que realizava sacrifícios e rituais para outras pessoas.
Pessoas comuns eram instruídas a desempenhar seus deveres com espírito de humildade na esperança de que pudessem ganhar um renascimento mais afortunado e, assim, obter acesso aos ensinamentos sagrados. Mas o Buda não impôs restrições às pessoas a quem ele ensinou o Dhamma. Ele sustentava que o que tornava uma pessoa Nobre era seu caráter e conduta pessoal, não sua família e status de casta. Assim, ele abriu as portas da libertação para pessoas de todas as classes sociais. Brâmanes, reis e príncipes, comerciantes, fazendeiros, trabalhadores, até mesmo párias — todos eram bem-vindos para ouvir o Dhamma sem discriminação, e muitas pessoas das classes mais baixas atingiram o estágio mais elevado da Iluminação.
4. Um Código de Ética. Um aspecto do universalismo do Buda merece menção especial: esta é sua concepção de um código universal de ética. Seria muito extremo dizer que o Buda foi o primeiro professor religioso a formular um código moral, pois códigos morais de diferentes tipos foram estabelecidos desde o início da civilização. Mas pode não ser absurdo dizer que o Buda foi um dos primeiros professores a separar os verdadeiros princípios morais do complexo tecido de normas sociais e costumes comunitários com os quais eles geralmente estavam entrelaçados.
Com astuta sofisticação de pensamento, o Buda nos fornece um princípio abstrato para usar como uma diretriz na determinação dos preceitos básicos da moralidade. Esta é a regra de “usar a si mesmo como um padrão” (attānaṃ upamaṃ katvā) para decidir como tratar os outros. Deste princípio abstrato, ele deriva os quatro principais preceitos de seu código moral: abster-se de matar, abster-se de roubar, ter má conduta sexual e abster-se de mentir. No interesse do bem-estar pessoal e da harmonia comunitária, ele acrescenta um quinto: abster-se de ingerir intoxicantes. Juntos, eles nos dão os Cinco Preceitos (pañca-sīla), o código moral básico do budismo.
O Buda, no entanto, não considerava a moralidade meramente como um conjunto de regras baseadas no raciocínio. Ele ensinou que há uma lei universal que conecta nossa conduta com nossos destinos pessoais, garantindo que a justiça moral prevaleça no mundo. Esta é a lei do Kamma e seu fruto, que sustenta que nossas ações intencionais determinam o tipo de renascimento que tomamos e as diversas experiências pelas quais passamos no curso de nossas vidas. Esta lei é totalmente impessoal em sua operação.
Ela não dá tratamento preferencial a ninguém; não reconhece VIPs ou favoritos, mas trabalha com uniformidade absoluta em relação a todos. Aqueles que violam as leis da moralidade — sejam eles de classe alta ou baixa, ricos ou pobres — adquirem kamma prejudicial e devem sofrer as consequências: um renascimento ruim e miséria futura. Aqueles que aderem às regras morais, que se envolvem em conduta virtuosa, adquirem kamma saudável que leva a benefícios futuros: um bom renascimento, uma vida feliz e progresso no caminho para a libertação final.
Em conformidade com a orientação psicológica de seu ensinamento, o Buda deu atenção especial às fontes subjetivas da moralidade. Ele atribui o comportamento imoral a três fatores mentais chamados de “três raízes prejudiciais” — ganância, ódio e delusão; e atribui o comportamento ético aos seus opostos, as três raízes saudáveis — não-ganância ou generosidade, não-ódio ou gentileza, e não-delusão ou sabedoria. Ele também nos direciona a um nível interior mais refinado de pureza ética a ser alcançado pelo desenvolvimento, na Meditação, de quatro atitudes elevadas chamadas de “moradas divinas” (brahma-vihāra). Estas são a bondade amorosa (mettā), o desejo pela felicidade e bem-estar de todos os seres; compaixão (karuna), o desejo de que todos os aflitos com sofrimento sejam libertados de seu sofrimento; alegria altruísta (mudita), regozijar-se na felicidade e sucesso dos outros; e equanimidade (upekkhā), imparcialidade da mente. Essas quatro atitudes devem ser desenvolvidas universalmente, em relação a todos os seres, sem distinções ou discriminações.