Angutara Nikaya
No Budismo Theravāda, o conceito de desencantamento (nibbidā) é um elemento central no caminho espiritual, associado à percepção profunda das características da existência e à libertação do sofrimento (dukkha). Abaixo estão os principais aspectos desse conceito, extraídos das fontes pesquisadas:
1. Definição e Significado – Nibbidā (em Pali) refere-se ao desencantamento ou desilusão que surge da compreensão direta da impermanência (anicca), sofrimento (dukkha) e não-EU (anatta) inerentes a todos os fenômenos condicionados .
– É o resultado da meditação insight (vipassanā), onde o praticante percebe a natureza insatisfatória e vazia dos agregados (khandhas), como os sentidos (olho, ouvido, mente, etc.), que são impermanentes e sujeitos à mudança .
2. Função no Caminho Espiritual
– O desencantamento é um estágio crucial que leva ao desapego (virāga) e, posteriormente, à libertação (nibbāna). No Kimatthiya Sūtta (A.N. X.1), ele é descrito como um elo na cadeia de insights que culmina na realização do estado de arahant:
Virtude (sīla) → Libertação do arrependimento → Satisfação → Êxtase (pīti) → Calma → Felicidade → Concentração (samādhi) → Visão das coisas como são (yathā bhūta ñāṇadassana) → Desencantamento (nibbidā) → Desapego → Libertação.
Na Cakkhu Sūtta (SN XVIII.1), o Buda ensina que ao perceber a impermanência dos sentidos, surge o desencantamento, que dissolve a identificação com o “eu” e conduz à libertação.
3. Relação com as Três Características da Existência
– O desencantamento é diretamente ligado à compreensão das Três Marcas da Existência (tilakkhaṇa):
1. Anicca (impermanência): Tudo está em constante mudança.
2. Dukkha (sofrimento): Apegar-se ao impermanente gera insatisfação.
3. Anatta (não-eu): Nenhum fenômeno possui uma essência fixa.
No Siṃsapā Sūtta (S.N. LVI.31), o Buda destaca que ensinou apenas o que é essencial para o desencantamento e a libertação, omitindo ensinamentos irrelevantes para esse fim.
4. Diferença entre Desencantamento e Negatividade
– Não se trata de pessimismo, mas de uma visão clara da realidade. É um estado de não-apego que surge naturalmente da sabedoria, sem repúdio ou aversão aos fenômenos.
– No glossário do Acesso ao Insight, é descrito como um “ver repetidas vezes” (anupassanā) a verdadeira natureza dos fenômenos .
5. Exemplo Prático
– No Cakkhu Sūtta, o Buda questiona o discípulo Rāhula sobre a natureza do olho e dos outros sentidos. Ao reconhecer sua impermanência e sofrimento, Rāhula experimenta desencantamento, desapego e, finalmente, a libertação.
Conclusão
O desencantamento (nibbidā) na Escola Theravāda é um insight transformador que dissolve ilusões e prepara a Mente para a libertação. Ele é cultivado através da Meditação e do estudo dos Ensinamentos do Buda, especialmente as Quatro Nobres Verdades e as Três Características da Existência.
Kimattha Sutta: Qual é o Propósito? (AN 11.1) – Tradução Thanissaro Bhikkhu (1997)
Ouvi dizer que, em certa ocasião, o Abençoado estava perto de Savatthi, no Bosque de Jeta, o mosteiro de Anāthapiṇḍika. Então, o Venerável Ananda foi até o Abençoado e, ao chegar, curvou-se diante dele e sentou-se a um lado. Enquanto estava sentado, perguntou ao Abençoado: “Qual é o propósito das virtudes hábeis? Qual é a sua recompensa?”
“As virtudes hábeis têm a liberdade do remorso como propósito, Ananda, e a liberdade do remorso como recompensa.”
“E qual é o propósito da liberdade do remorso? Qual é a sua recompensa?”
“A liberdade do remorso tem a alegria como propósito, a alegria como recompensa.”
“E qual é o propósito da alegria? Qual é a sua recompensa?”
“A alegria tem o êxtase como propósito, o êxtase como recompensa.”
“E qual é o propósito do êxtase? Qual é a sua recompensa?”
“O êxtase tem a serenidade como propósito, a serenidade como recompensa.”
“E qual é o propósito da serenidade? Qual é a sua recompensa?”
“A serenidade tem o prazer como propósito, o prazer como recompensa.”
“E qual é o propósito do prazer? Qual é a sua recompensa?”
“O prazer tem a Concentração como propósito, a concentração como recompensa.”
“E qual é o propósito da concentração? Qual é a sua recompensa?”
“A concentração tem o conhecimento e a visão das coisas como elas realmente são como propósito, o conhecimento e a visão das coisas como elas realmente são como recompensa.”
“E qual é o propósito do conhecimento e da visão das coisas como elas realmente são? Qual é a sua recompensa?”
“O conhecimento e a visão das coisas como elas realmente são têm o desencanto como propósito, o desencanto como recompensa.”
“E qual é o propósito do desencanto? Qual é a sua recompensa?”
“O desencanto tem o desapego como propósito, o desapego como recompensa.”
“E qual é o propósito do desapego? Qual é a sua recompensa?”
“O desapego tem o conhecimento e a visão da Libertação como propósito, o conhecimento e a visão da Libertação como recompensa.
“Assim, Ananda, as virtudes hábeis têm a liberdade do remorso como propósito, a liberdade do remorso como recompensa. A liberdade do remorso tem a alegria como propósito, a alegria como recompensa. A alegria tem o êxtase como propósito, o êxtase como recompensa. O êxtase tem a serenidade como propósito, a serenidade como recompensa. A serenidade tem o prazer como propósito, o prazer como recompensa. O prazer tem a concentração como propósito, a concentração como recompensa. A concentração tem o conhecimento e a visão das coisas como elas realmente são como propósito, o conhecimento e a visão das coisas como elas realmente são como recompensa.
O conhecimento e a visão das coisas como elas realmente são têm o desencanto como propósito, o desencanto como recompensa. O desencanto tem o desapego como propósito, o desapego como recompensa. O desapego tem o conhecimento e a visão da libertação como propósito, o conhecimento e a visão da libertação como recompensa.
“Desta forma, Ananda, virtudes Hábeis conduzem passo a passo à consumação do estado de Arahant.”