“Se os seres soubessem, como eu sei, os resultados de dar e compartilhar, eles não comeriam sem antes ter doado, nem permitiriam que a mácula do egoísmo tomasse conta das suas mentes. Mesmo que fosse o seu último bocado, a sua última mordida, eles não comeriam sem ter compartilhado, se houvesse alguém com quem compartilhar. Mas porque os seres não sabem, como eu sei, os resultados de dar e compartilhar, eles comem sem ter doado. A mácula do egoísmo toma conta das suas mentes.”
Itivuttaka 26 – DANA SUTTA
De acordo com os ensinamentos Budistas existem três bases para ações meritórias: a caridade (dāna), disciplina moral (sīla) e desenvolvimento mental (cittā bhāvanā). Com relação às três, um comentário frequentemente repetido por aqueles que tiveram contato com praticantes budistas de origem asiática e também com os de origem ocidental, é de que os asiáticos em geral têm mais interesse pela prática de dāna, já os ocidentais tendem quase que exclusivamente à prática de cittā bhāvanā. E qual seria a razão para isso?
A primeira explicação que vem à mente quando se pensa neste assunto é que em nossa sociedade há muitos maus exemplos de pessoas se aproveitando da fé religiosa para explorar financeiramente as demais. Mas é pouco provável que seja essa a real razão, uma vez que esse fenômeno também é muito comum e bem conhecido de todos nas sociedades budistas asiáticas. Se de fato fosse essa a razão, entre os asiáticos a prática de dāna também seria muito menor, nas mesmas proporções dos ocidentais.
Uma explicação alternativa é de que, como mencionado anteriormente, o que mais atrai os ocidentais ao budismo é o interesse pelo desenvolvimento Mental e Espiritual, pois é nisso que enxergam no budismo um grande diferencial com relação às demais vertentes espirituais. No que diz respeito à prática de boas ações, o desenvolvimento da compaixão, ou mesmo criar condições kármicas para obter felicidade no plano pós-morte, essas pessoas poderiam fazê-lo utilizando as tradições já existentes e bastante disseminadas por todo o mundo ocidental.
Em países tradicionalmente budistas, a maioria da população também possui interesse quase exclusivo pela devoção e a caridade.
De fato, em qualquer tradição espiritual, não é comum a maioria das pessoas terem interesse em práticas de cultivo mental diretas – são poucas as que desenvolvem esse interesse. O mais comum entre a grande massa de pessoas é a prática da devoção e da caridade pois são práticas mais simples, mais grosseiras (no sentido de estarem diretamente relacionadas ao mundo material) e que oferecem uma gratificação emocional imediata. E isso é válido tanto para os ocidentais quanto aos orientais. Em países tradicionalmente budistas, a maioria esmagadora da população também possui interesse quase exclusivo pela devoção e a caridade. O que difere entre nós é que as pessoas que têm interesse por esse tipo de prática não enxergam nenhuma boa razão para tornar-se budista uma vez que a religião atual delas já fornece todas as ferramentas necessárias para o que desejam praticar. O que atrai os ocidentais ao budismo é justamente o conhecimento profundo da natureza da mente humana e o know-how em como purificá-la e devolver-lhe um estado de saúde.
Em países desenvolvidos, essa separação é compensada por uma grande presença de imigrantes asiáticos vindo de países onde a tradição Theravada predomina, que então se encarregam de tornar a existência física dos mosteiros e centros de meditação possível através de doações e ajudando no trabalho de manutenção e administração.
Outro fator importante no Brasil é a inexistência de mosteiros Theravada e, curiosamente, a razão pela qual isso é relevante na verdade não é o fato de que doações feitas ao Saṅgha monástico serem consideradas mais meritórias pois, como já mencionamos, a maioria dos praticantes brasileiros não têm a busca por esse tipo de mérito como principal motivação em suas práticas. A real razão pela qual a ausência de mosteiros é um fator está relacionada à confiança: de um monge é possível exigir um mínimo de bom comportamento, uma vez que existe uma regra monástica clara estabelecida pelo próprio Buddha, e é sabido de todos que a intenção dele era de que aqueles que se declaram “bhikkhus” se comportassem de acordo com os preceitos lá especificados.
Essa regra não só impõe limites, como também define um estilo de vida de simplicidade, o que em parte garante que os recursos oferecidos não serão desviados para ganho pessoal. Como exemplo podemos citar o voto de celibato: um monge sendo celibatário, é de se esperar que ele não vá utilizar os recursos doados na busca pelos acessórios da vida sexual: roupas, jantares, carros, enfeites, etc. Além disso, não tendo filhos, não terá despesas com educação, saúde e moradia de crianças; não possuindo herdeiros, tudo o que é doado ao mosteiro é propriedade da sangha, não será transmitido como herança a ninguém. Essa linha de raciocínio se amplifica e ramifica de muitas outras maneiras quando se leva em consideração as demais regras de conduta e também qualidades monásticas como simplicidade, renúncia, a capacidade de aguentar desconfortos, abstinência do consumo de toda forma de prazeres sensuais, etc.
Já com um professor leigo a situação é diferente: é difícil estabelecer um padrão de conduta claro que os discípulos possam exigir do mestre. Estando ele imerso no mundo da sensualidade, existe uma grande quantidade de despesas e deveres com as quais é necessário arcar. Existem idas a restaurantes, bebidas, roupas e acessórios, cosméticos, cerimônias de casamento, lua de mel, mensalidades escolares, impostos, pensões alimentícias, honorários de advogados, etc.
É de se esperar uma linha de comportamento mais clara e segura da sangha monástica.
É óbvio que não é um assunto tão simples – regularmente presenciamos exemplos de monges se comportando mal, assim como de professores leigos de comportamento nobre e exemplar – mas ainda assim, em termos gerais, é de se esperar uma linha de comportamento mais clara e segura da sangha monástica, e mesmo quando esta está ausente, ainda resta à comunidade leiga um padrão de comportamento como fonte de referência que pode ser exigido deles.
Portanto, por uma questão de regra de conduta, de valores e estilo de vida, é mais fácil às pessoas terem confiança de que uma doação feita a uma instituição monástica será utilizada para os fins diretamente relacionados à preservação e divulgação do Dhamma.
Além disso, é importante lembrar que o Buddha era um monge antes de alcançar a iluminação, continuou monge após ter alcançado e foi além, criando a ordem monástica e dedicando boa parte de seu tempo ajudando a estruturar e garantir seu bom funcionamento e longevidade. A sangha monástica foi a quem o Buddha sempre deu prioridade na hora de transmitir o Dhamma, e foi a ela que ele delegou o dever de preservar e disseminar seus ensinamentos por todo o mundo. Por essa razão também podemos dizer que uma doação feita para ajudar a sangha monástica gera mais benefício do que qualquer outra.
O interesse dos ocidentais em citta bhāvanā é de fato louvável, mas o risco de uma visão parcial do assunto é justamente não compreender quão interconectado é o treinamento idealizado pelo Buddha. A generosidade como prática regular tem consequências muito intrincadas, ramificações muito relevantes que operam com sutileza na mente.
Dāna em si é uma forma de treinamento. É um poderoso antídoto contra os venenos do apego e egoísmo, uma forma de compreender pouco a pouco que nossas necessidades são, na realidade, muito menores do que a mente indisciplinada faz crer. É uma das formas mais claras de se desvencilhar de objetos de nossos desejos que inevitavelmente levarão, por serem impermanentes, ao sofrimento. A prática de dāna é considerada tão importante que constitui uma das pāramīs, perfeições ou grandes qualidades que caracterizam um Buddha.
À medida que criamos alguma maturidade básica na prática do Dhamma, vendo o benefício que isso traz a nós e às pessoas em volta, praticamos dāna com alegria, sentimos que é um privilégio poder fazer uma contribuição, por menor que seja, para que outros tenham acesso ao que há de mais elevado nesse mundo. Sentimo-nos profundamente gratos por aquilo que o Buddha proporcionou aos seres com seu ensinamento, e enxergamos como nosso dever fazer nossa parte para que esse ensinamento possa continuar a florescer. Tomamos consciência que somente o esforço de muitas outras pessoas antes de nós possibilitou que nós mesmos agora tivéssemos acesso ao Dhamma.
A prática da generosidade é um das formas mais básicas de construir autoestima.
A prática da generosidade é um das formas mais básicas de construir autoestima. Uma autoestima saudável é fator vital para conseguir pacificar e concentrar a mente. Se a pessoa só tem ódio, vergonha ou insatisfação consigo mesma, se ao voltar sua atenção para dentro de si o que ela encontra é pesar, ganância e rancor, é muito pouco provável que conseguirá manter a atenção tempo o suficiente para gerar concentração mental. E mesmo a qualidade da mente, ao invés de brilhante e expansiva, será fosca e tímida. Em conjunto com sīla, dāna constrói grande parte das fundações sobre as quais samādhi se torna possível.
Além de influenciar diretamente os estados mentais do praticante, dāna também cria condições onde nossa prática do Dhamma será possível, na forma de centros de meditação, centros de retiro, ou criando as condições para que aqueles que tenham força espiritual para isso, possam dedicar todo o seu tempo à sua prática pessoal e então transmitir aquilo que aprendeu aos demais.
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