Ajahn Lee Dhammadharo
“Essas duas pessoas são difíceis de encontrar no mundo. Quais são essas duas? Aquela que é a primeira a fazer uma Gentileza, e aquela que é Grata e agradecida por uma gentileza feita.” — Aṅguttara Nikāya 2:118
Ao dizer que pessoas gentis e gratas são raras, o Buda não está simplesmente afirmando uma dura verdade sobre a raça humana. Ele está aconselhando você a valorizar essas pessoas quando as encontrar e, mais importante, mostrando como você pode se tornar uma pessoa rara.
Gentileza e Gratidão são virtudes que você pode cultivar, mas elas precisam ser cultivadas juntas. Cada uma precisa que a outra seja genuína — um ponto que se torna óbvio quando você pensa sobre as três coisas mais propensas a tornar a gratidão sincera:
1) Você realmente se beneficiou das ações de outra pessoa;
2) Você confia nos motivos por trás dessas ações;
3) Você sente que a outra pessoa teve que sair do seu caminho para fornecer esse benefício.
Os pontos um e dois são lições que a gratidão ensina à gentileza: se você quer ser genuinamente gentil, você tem que ser um benefício real — ninguém quer ser o destinatário de uma “ajuda” que não seja realmente útil — e você tem que fornecer esse benefício de uma forma que mostre respeito e empatia pelas necessidades da outra pessoa. Ninguém gosta de receber um presente dado com motivos calculistas, ou de forma descuidada ou desdenhosa.
Os pontos dois e três são lições que a gentileza ensina à gratidão. Somente se você foi gentil com outra pessoa, você aceitará a ideia de que os outros podem ser gentis com você. Ao mesmo tempo, se você foi gentil com outra pessoa, você sabe o esforço envolvido. Impulsos gentis muitas vezes têm que lutar contra impulsos cruéis no coração, então nem sempre é fácil ser útil. Às vezes envolve grande sacrifício — um sacrifício possível somente quando você confia que o destinatário fará bom uso de sua ajuda. Então, quando você está no lado receptor de um sacrifício como esse, você percebe que incorreu em uma dívida, uma obrigação de retribuir a confiança da outra pessoa.
É por isso que o Buda sempre discute a gratidão como uma resposta à gentileza, e não a equipara à apreciação em geral. É um tipo especial de apreciação, inspirando uma resposta mais exigente. A diferença aqui é melhor ilustrada por duas passagens nas quais o Buda usa a imagem de carregar.
A primeira passagem diz respeito à apreciação de um tipo geral:
“Então o homem, tendo reunido grama, galhos, ramos e folhas, tendo-os amarrado para fazer uma jangada, cruzaria para a segurança na margem distante na dependência da jangada, fazendo um esforço com suas mãos e pés. Tendo cruzado para a margem distante, ele poderia pensar: ‘Quão útil esta jangada foi para mim! Pois foi na dependência desta jangada que, fazendo um esforço com minhas mãos e pés, cruzei para a segurança na margem distante. Por que eu, tendo-a içado na minha cabeça ou carregando nas minhas costas, não vou para onde eu quiser?’ O que vocês acham, monges? O homem, ao fazer isso, estaria fazendo o que deveria ser feito com a jangada?”. “Não, senhor.”
“E o que o homem deveria fazer para fazer o que deveria ser feito com a jangada? Há o caso em que o homem, tendo atravessado para a margem distante, pensaria: ‘Quão útil esta jangada foi para mim! Pois foi na dependência desta jangada que, fazendo um esforço com minhas mãos e pés, cruzei para a segurança na margem distante. Por que eu, tendo-a arrastado em terra firme ou afundado na água, não vou para onde eu quiser?’ Ao fazer isso, ele estaria fazendo o que deveria ser feito com a jangada.” — Majjhima Nikāya 22
A segunda passagem diz respeito à GRATIDÃO em particular:
“Eu lhes digo, monges, há duas pessoas que não são fáceis de retribuir. Quais são as duas? Sua mãe e seu pai. Mesmo se você carregasse sua mãe em um ombro e seu pai no outro ombro por 100 anos, e cuidasse deles ungindo, massageando, banhando e esfregando seus membros, e eles defecassem e urinassem ali mesmo [em seus ombros], você não pagaria ou retribuiria dessa forma seus pais. Se você estabelecesse sua mãe e seu pai em soberania absoluta sobre esta grande terra, abundante nos sete tesouros, você não pagaria ou retribuiria dessa forma a seus pais. Por que digo isso? Mãe e pai fazem muito por seus filhos. Eles cuidam deles, eles os nutrem, eles os apresentam a este mundo.
“Mas qualquer um que desperta sua mãe e seu pai descrentes, os estabelece e os estabelece em convicção; desperta sua mãe e seu pai não virtuosos, os estabelece e os estabelece em virtude; desperta sua mãe e seu pai mesquinhos, os estabelece e os estabelece em generosidade; desperta sua mãe e seu pai tolos, os estabelece e os estabelece em discernimento: Nesta medida, alguém paga e retribui sua mãe e seu pai.” — Anguttara Nikaya 2:32
Em outras palavras, como mostra a primeira passagem, é perfeitamente normal apreciar os benefícios que você recebeu de jangadas e outras conveniências sem sentir necessidade de retribuí-los. Você cuida deles simplesmente porque isso permite que você se beneficie mais deles. O mesmo vale para pessoas e situações difíceis que o forçaram a desenvolver força de caráter. Você pode apreciar que aprendeu persistência ao lidar com capim-caranguejo em seu gramado, ou equanimidade ao lidar com vizinhos irracionais, sem dever ao capim-caranguejo ou aos vizinhos nenhuma dívida de gratidão. Afinal, eles não se esforçaram gentilmente para ajudá-lo. E se você os tomasse como modelos, aprenderia todas as lições erradas sobre gentileza: que simplesmente seguir seus impulsos naturais — ou, pior ainda, se comportar de forma irracional — é a maneira de ser gentil.
Dívidas de gratidão se aplicam apenas a pais, professores e outros benfeitores que agiram pensando em seu bem-estar. Eles se esforçaram para ajudar você e lhe ensinaram lições valiosas sobre gentileza e empatia no processo.
No caso da jangada, seria melhor concentrar a gratidão na pessoa que lhe ensinou a fazer uma jangada. No caso da grama-caranguejo e dos vizinhos, concentre a gratidão nas pessoas que lhe ensinaram como não ser vencido pela adversidade. Se houver benefícios que você recebeu de coisas ou situações que não pode rastrear a um agente consciente nesta vida, sinta gratidão a si mesmo pelo bom carma que você fez no passado que permitiu que esses benefícios aparecessem. E seja grato pelo bom kamma (carma) que lhe permite receber e se beneficiar da ajuda de outras pessoas em primeiro lugar. Se você não tivesse nada de bom em seu crédito, elas não seriam capazes de alcançá-lo.
Como mostra a segunda passagem do Buda, a dívida que você tem com seus benfeitores não precisa ser olho por olho, e não deve ser direcionada somente a eles. Agora, a dívida que você tem com seus pais por terem dado à luz a você e permitido que você vivesse é imensa. Em algumas passagens, o Buda recomenda expressar gratidão por sua compaixão com serviços pessoais.
Mãe e pai, compassivos com sua família,
são chamados Brahma, os primeiros professores,
aqueles dignos de presentes de seus filhos.
Então, os sábios devem prestar-lhes
homenagem, honra, com comida e bebida,
roupas e roupas de cama, unção e banho e lavar seus pés.
Realizando esses serviços a seus pais, os sábios
são louvados aqui mesmo e após a morte se alegram no céu. — Itivuttaka 106
No entanto, Aṅguttara Nikāya 2:32 mostra que a única maneira verdadeira de retribuir seus pais é fortalecê-los em quatro qualidades: convicção, virtude, generosidade e discernimento. Para fazer isso, é claro, você tem que desenvolver essas qualidades em si mesmo, bem como aprender a empregar grande tato em ser um exemplo para seus pais. Acontece que essas quatro qualidades também são as de um amigo admirável (Aṅguttara Nikāya 8:54), o que significa que, ao retribuir seus pais dessa forma, você se torna o tipo de pessoa que seria um amigo admirável para os outros também. Você se torna uma pessoa íntegra, que — como o Buda aponta — aprendeu com a gratidão como ser inofensivo em todas as suas relações e a dar ajuda com um coração empático: respeitosamente, de forma oportuna e com a sensação de que algo bom virá disso (Majjhima Nikāya 110; Aṅguttara Nikāya 5:148). Dessa forma, você retribui a bondade de seus pais muitas vezes, permitindo que sua influência se espalhe além do pequeno círculo da família para o mundo em geral. Ao fazer isso, você também amplia o círculo da bondade deles.
Este princípio também se aplica aos seus professores, como o Buda disse aos seus discípulos:
“Então é isso que vocês pensam de mim: ‘O Abençoado, simpático, buscando nosso bem-estar, ensina o Dhamma por simpatia.’ Então vocês devem treinar a si mesmos — harmoniosamente, cordialmente e sem disputa — nas qualidades que indiquei, tendo-as conhecido diretamente: os quatro quadros de referência, os quatro esforços corretos, as quatro bases do poder, as cinco faculdades, as cinco forças, os sete fatores do Despertar, e o Nobre Caminho Óctuplo.” — Majjhima Nikāya 103
Em outras palavras, a maneira de retribuir a compaixão e a simpatia de um professor ao lhe ensinar é se aplicar a aprender bem suas lições. Só então você pode espalhar a boa influência dessas lições para os outros.
Quanto às dívidas que você tem consigo mesmo por seu bom kamma (carma) passado, a melhor maneira de pagá-las é usar seus benefícios como oportunidades para criar mais bom carma, e não simplesmente aproveitar o prazer que eles oferecem. Aqui novamente é importante lembrar das dificuldades que podem estar envolvidas em agir habilmente, e honrar suas intenções habilidosas do passado não permitindo que elas sejam desperdiçadas no presente. Por exemplo, não é fácil obter uma boca humana, então curve-se diante de sua boca todos os dias. Em outras palavras, respeite sua capacidade de se comunicar, e use-a para dizer apenas o que é oportuno, benéfico e verdadeiro.
Estas são algumas das lições sobre Gentileza e Empatia que a Gratidão bem focada pode ensinar — lições que ensinam como lidar de forma madura e responsável no dar e receber da vida social. Não é de se admirar, então, que o Buda tenha citado a Gratidão como a qualidade que define o que significa ser civilizado (Aṅguttara Nikāya 2:31).