Ajahn Sumedho
O Dhammacakkappavattana Sutta, o ensinamento do Buda sobre as Quatro Nobres Verdades, tem sido a principal referência que tenho usado em minha prática ao longo dos anos.
Na verdade, a declaração do Buda, no foi um ensinamento muito preciso e exato. É o ensinamento perfeito, mas as pessoas não conseguem compreendê-lo. Tendem a interpretá-lo mal e a pensar que provém do ego, porque as pessoas sempre interpretam tudo a partir de seus egos. “Eu sou o perfeitamente iluminado” pode soar como uma declaração egocêntrica, mas não é, na verdade, puramente transcendente? Essa declaração: “Eu sou o Buda, o perfeitamente Iluminado”, é interessante de se contemplar porque conecta o uso de “Eu sou” com realizações ou conquistas superlativas. De qualquer forma, o resultado do primeiro ensinamento do Buda foi que o ouvinte não conseguiu compreendê-lo e se afastou.
Mais tarde, o Buda encontrou seus cinco antigos companheiros no Parque dos Cervos em Varanasi. Todos os cinco eram sinceramente dedicados ao ascetismo rigoroso. Eles haviam se desiludido com o Buda anteriormente porque pensavam que ele havia se tornado insincero em sua prática. Isso porque o Buda, antes de alcançar a iluminação, começou a perceber que o ascetismo rigoroso não contribuía em nada para um estado de iluminação, então ele deixou de praticá-lo. Esses cinco amigos pensaram que ele estava levando uma vida mais tranquila: talvez o tenham visto comendo arroz com leite, o que seria comparável a comer sorvete hoje em dia. Se você é um asceta e vê um monge comendo sorvete, pode perder a fé nele porque pensa que monges deveriam comer sopa de urtiga.
Se você realmente amasse o ascetismo e me visse comendo uma tigela de sorvete, não teria mais fé em Ajahn Sumedho. É assim que a mente humana funciona; tendemos a admirar feitos impressionantes de autoflagelação e negação. Quando perderam a fé nele, esses cinco amigos ou discípulos deixaram o Buda – o que lhe deu a oportunidade de sentar-se sob a árvore Bodhi e alcançar a iluminação. Então, quando encontraram o Buda novamente no Parque dos Cervos em Varanasi, os cinco pensaram a princípio: “Sabemos como ele é.” “Vamos simplesmente ignorá-lo.” Mas, à medida que ele se aproximava, todos sentiram que havia algo de especial nele. Levantaram-se para lhe abrir espaço para sentar e ele proferiu seu sermão sobre as Quatro Nobres Verdades.
Aplicação Prática das Quatro Nobre Verdades
Este é o padrão para os três aspectos de cada Nobre Verdade. Há a afirmação, depois a prescrição e, por fim, o resultado da prática. Também podemos ver isso em termos das palavras em Páli pariyatti, paṭipatti e paṭivedha. Pariyatti é a teoria ou a afirmação: “Há sofrimento”. Paṭipatti é a prática – o ato de praticá-la de fato; e paṭivedha é o resultado da prática. Isso é o que chamamos de padrão reflexivo; você está, na verdade, desenvolvendo sua mente de uma maneira muito reflexiva. Uma mente de Buda é uma mente reflexiva que conhece as coisas como elas são.
Usamos essas Quatro Nobres Verdades para o nosso desenvolvimento. Aplicamo-las a coisas comuns em nossas vidas, a apegos e obsessões comuns da Mente. Com essas Verdades, podemos investigar nossos apegos para obter insights sobre eles. Através da terceira Nobre Verdade, podemos alcançar a cessação, o fim do sofrimento, e praticar o Caminho Óctuplo até atingir a compreensão. Quando o Caminho Óctuplo estiver plenamente desenvolvido, a pessoa se tornará um Arahant, ela alcançará a Iluminação. Embora isso soe complicado – quatro verdades, três aspectos, doze insights – é bastante simples. É uma ferramenta que podemos usar para nos ajudar a compreender o sofrimento e o não-sofrimento.
No mundo budista, não há muitos budistas que ainda utilizam as Quatro Nobres Verdades, mesmo na Tailândia. As pessoas dizem: “Ah, sim, as Quatro Nobres Verdades – coisa de iniciante”. Então, podem usar todos os tipos de técnicas de vipassana e ficar realmente obcecados com os dezesseis estágios antes de chegarem às Nobres Verdades. Acho bastante incompreensível que, no mundo budista, o ensinamento realmente profundo tenha sido descartado como budismo primitivo: “Isso é para criancinhas, para iniciantes”. O curso avançado é… Eles se aprofundam em teorias e ideias complicadas, esquecendo-se do ensinamento mais profundo.
As Quatro Nobres Verdades são uma reflexão para a vida toda. Não se trata apenas de compreender as Quatro Nobres Verdades, os três aspectos e os doze estágios e se tornar um Arahant em um retiro — e depois partir para algo mais avançado. As Quatro Nobres Verdades não são fáceis assim. Elas exigem uma atitude constante de vigilância e fornecem o contexto para uma vida inteira de reflexão.

