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A primeira Nobre verdade

Posted on 13/11/202513/11/2025 by Edmir Ribeiro Terra

Ajahn Sumedho

O que é a Nobre Verdade do Sofrimento? Nascimento é sofrimento, envelhecimento é sofrimento e morte é sofrimento. Separação daquilo que gostamos é sofrimento, não obter aquilo que queremos é sofrimento: em resumo, os cinco agregados influenciados pelo apego são sofrimento.

Existe esta Nobre Verdade do Sofrimento: tal foi a visão, revelação, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas.

Esta Nobre Verdade deve ser penetrada através da completa compreensão do sofrimento: tal foi a visão, revelação, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas.

Esta Nobre Verdade foi penetrada através da completa compreensão do sofrimento: tal foi a visão, revelação, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas. Samyutta Nikaya LVI, 11

A Primeira Nobre Verdade é composta por três fases: ‘Existe sofrimento, dukkha. Dukkha deve ser compreendido. Dukkha foi compreendido.’ É um ensinamento muito prático, expresso numa simples fórmula, fácil de memorizar. É também aplicável a todas e quaisquer experiências que possas ter, a tudo o que possas fazer ou pensar, relacionado com o passado, o presente ou o futuro.

Sofrimento ou dukkha é o elo comum que todos nós partilhamos. Toda a gente em toda a parte sofre. Seres humanos sofreram no passado, na Índia da antiguidade, sofrem hoje em dia em Inglaterra, e no futuro os seres humanos também irão sofrer… O que é que temos em comum com a Rainha Elizabete? Ambos sofremos. O que é que temos em comum com um pobre em estar com as pernas cruzadas? Sofrimento. Encontra-se a todos os níveis, desde os seres humanos mais privilegiados aos mais desesperados e desprivilegiados. Toda a gente em todo o lado sofre. É uma ligação que temos em comum, algo que todos compreendemos.

Quando falamos acerca do sofrimento humano levanta-se em nós o sentimento da compaixão mas, quando falamos acerca das nossas opiniões, acerca daquilo que eu penso e do que tu pensas em relação à política e religião, então podemos entrar em guerra. Há dez anos atrás, em Londres, lembro-me de ver um filme que mostrava mulheres russas com bebês e homens russos a levarem os seus filhos a piqueniques, tentando retratar os Russos como seres humanos. Na altura, esta representação do povo russo era pouco usual porque a maior parte da propaganda no Ocidente retratava-os como monstruosidades ou seres reptilianos de coração gelado e por esse motivo nunca pensava neles como seres humanos.

Se quiseres matar pessoas tens de as mostrar dessa forma. Não é tão fácil matar alguém se reconhecermos que elas sofrem da mesma forma que você. Tens de pensar que elas não têm coração, que são imorais, más, sem qualquer valor e que é melhor vermo-nos livres delas. Tens de pensar que elas são o mal e que é bom livrarmo-nos do mal. Com esta atitude podes sentir-te justificado em bombardeá-los e metralhá-los mas, se tiveres em Mente o sofrimento como elo comum isso torna-te incapaz de agir dessa forma.

A Primeira Nobre Verdade não é uma desagradável afirmação metafísica que somente nos diz que tudo é sofrimento. É importante notar que existe uma diferença entre a doutrina metafísica, em que fazes uma afirmação acerca do Absoluto, e a Nobre Verdade que é uma reflexão. A Nobre Verdade é uma verdade para ser refletida, não é um absoluto, não é O Absoluto. É neste ponto que os Ocidentais se sentem bastante confusos porque interpretam esta Nobre Verdade como um tipo de verdade metafísica do Budismo mas, na realidade nunca houve a intenção de ser tal coisa.

Podes constatar que a Primeira Nobre Verdade não é uma afirmação absoluta pois sabemos que a Quarta Nobre Verdade é o caminho para o fim do sofrimento. Não podes ter sofrimento absoluto e depois ter um caminho para sair dele, ou podes? Isso não faz sentido. No entanto algumas pessoas pegam na Primeira Nobre Verdade e dizem que o Buddha ensinou que tudo é sofrimento.

A palavra para sofriemento em Pali, dukkha, significa ‘incapaz de satisfazer’ ou ‘não ser capaz de suportar algo’, ou seja, sempre em mudança, incapaz de nos preencher verdadeiramente ou de nos tornar felizes. O mundo sensorial é assim, uma vibração na natureza. Seria de facto terrível se encontrássemos satisfação no mundo dos sentidos, porque então nunca procuraríamos para além dele, ficaríamos limitados. No entanto, ao despertarmos para este dukkha, começamos a procurar a saída para deixarmos de estar constantemente aprisionados à consciência sensorial.

Sofrimento e identificação pessoal

É importante reflectir na construção da frase da Primeira Nobre Verdade, que é fraseada de uma forma bem clara: ‘Sofrimento Existe’, em vez de ‘Eu sofro’. Psicologicamente falando, essa reflexão é exposta de uma forma muito mais hábil. Temos a tendência de interpretar o nosso sofrimento como ‘Eu estou mesmo a sofrer.

Eu sofro muito e eu não quero sofrer’. É assim que pensamos, é desta forma que a nossa mente está condicionada. ‘Eu estou a sofrer’ transmite-nos sempre a sensação de que ‘Eu sou alguém que sofre bastante. Este sofrimento é meu. Eu tenho tenho sofrido bastante na minha vida’. E assim começa todo o processo de identificação com o nosso eu e a nossa memória, lembras-te do que aconteceu quando eras bebé… e por aí fora.

Mas repara, não estamos a dizer que existe alguém que tem sofrimento. Já não se trata de sofrimento pessoal quando o vemos como ‘sofrimento existe’. Deixa de ser: ‘Ah coitado de mim, porque é que eu tenho de sofrer tanto? O que é que eu fiz para merecer isto? Porque é que eu tenho de envelhecer? Porque é que eu tenho de ter amargura, dor, lamentação e desespero? Não é justo! Eu não quero isto. Eu só quero felicidade e segurança’.

Este tipo de pensar nasce da ignorância, que tudo complica e dá origem a problemas de personalidade.

Para podermos abandonar o sofrimento temos de primeiro admiti-lo na consciência. Mas na Meditação Budista esta admissão não parte da posição de ‘Eu estou a sofrer’ mas sim de ‘O sofrimento está presente’ pois não estamos a tentar identificar-nos com o problema mas, simplesmente a reconhecer que ele existe. Pensar em termos de ‘Eu estou zangado; zango-me muito facilmente; como ver-me livre disto’, não revela grande sabedoria pois tudo isto desperta em nós uma série de pressuposições acerca da existência de um eu, tornando muito difícil obter qualquer perspectiva sobre o assunto.

Torna-se muito confuso porque a percepção dos meus problemas ou dos meus pensamentos, leva-nos facilmente a reprimir ou a fazermos juízos de valor acerca do assunto e a criticarmo-nos a nós próprios. Em vez de observar, testemunhar e compreender as coisas como elas são, temos a tendência de nos apegarmos e identificarmos. Quando simplesmente reconheces que existe em você esta sensação de confusão, que existe este egoísmo ou raiva, então surge uma reflexão honesta sobre a forma como as coisas são, pois removeste todas as ideias preconcebidas ou pelo menos não as valorizaste.

Assim sendo, não te apegues a estas coisas como se fossem falhas pessoais mas continua a contemplá-las como sendo impermanentes, insatisfatórias e impessoais. Continua a reflectir, observando-as como realmente são. A tendência é sempre para ver a vida a partir da perspectiva de que estes são os meus problemas e de que estou a ser muito honesto e dinâmico em admitir tal coisa. E a nossa vida tende a reafirmar isso mesmo, pois continuamos a operar a partir dessa ideia errada. Mas mesmo esse ponto de vista é impermanente, insatisfatório e ‘não-EU’.

‘Existe sofrimento’ é um reconhecimento claro e preciso de que neste momento existe uma certa sensação de descontentamento, que pode ir desde a angústia e desespero a uma suave irritação; dukkha não significa necessariamente sofrimento severo. Não tens de ser brutalizado pela vida; não tens necessariamente de ter vindo de Auschwitz (casampo de concentração judeu na Polônoia) ou Belsen para poderes dizer que o sofrimento existe. Até a Rainha Elizabete pode dizer, ‘Sofrimento existe.’ Estou certo de que ela tem momentos de grande angústia e desespero ou, pelo menos, de irritação. O mundo dos sentidos é uma experiência sensível. Significa que estás sempre a ser exposto a prazer e dor e à dualidade de samsara. É como estar em algo que é muito vulnerável, sentindo tudo aquilo que possa vir a entrar em contacto com estes corpos e os seus sentidos. É assim, esse é o resultado do nascimento.

Negação do sofrimento

O sofrimento é algo de que normalmente não queremos saber, tudo o que queremos é ver-nos livres dele. Assim que surge algo inconveniente ou desagradável, a tendência do ser não iluminado é querer ver-se livre ou suprimir. Podemos observar como a sociedade moderna se encontra tão embrenhada em procurar prazeres e delícias naquilo que é novo, excitante e romântico. Temos tendência a colocar ênfase na beleza e prazeres da juventude, enquanto que o lado feio da vida, a velhice, doença, morte, aborrecimento, desespero e depressão, são colocados de parte.

Quando nos deparamos com algo do qual não gostamos, tentamos ver-nos livres disso e procurar algo de que gostamos. Se nos sentimos aborrecidos vamos logo fazer algo interessante, se sentimos medo tentamos encontrar segurança. Isto é perfeitamente normal. Estamos associados com o princípio de prazer/dor de atração e repulsão. Assim, se a mente não está atenta e receptiva torna-se selectiva, selecciona aquilo de que gosta e tenta suprimir aquilo de não gosta. Grande parte da nossa vivência tem de ser suprimida, porque muito daquilo com que estamos inevitavelmente envolvidos é de certa forma desagradável.

Se algo desagradável surge, dizemos ‘Foge!’, se alguém se atravessa no nosso caminho, dizemos ‘Mata-o!’. Esta tendência é bastante óbvia no que os nossos governos fazem… É preocupante, não é, se pensares no tipo de pessoas que governam os nossos países, pois eles ainda são bastante ignorantes e não iluminados. Mas é assim que se passa, a mente ignorante pensa em exterminação: ‘Olha um mosquito, mata-o!’, ‘Estas formigas estão a apoderar-se da cozinha; dá-lhes com o insecticida!’. Na Inglaterra temos uma companhia chamada “Alugel para matar”. Não sei se é um tipo de máfia Britânica ou não, mas especializa-se em matar pestes – como quer que queira interpretar a palavra ‘pestes’.

Moralidade e compaixão

É por esse motivo que temos de ter leis como, ‘Eu abstenho-me de matar intencionalmente’, porque o nosso instinto natural é de matar: se está no teu caminho, mata-o. Podes observar isto no reino animal. Nós próprios somos criaturas bastante predadoras; pensamos que somos civilizados mas, literalmente, temos uma história bastante sangrenta. Ela é preenchida com inúmeras chacinas e justificações para todo o tipo de injustiças contra outros seres humanos, já para não falar nos animais e tudo isto devido a esta ignorância básica, esta mente humana que sem reflectir nos diz para aniquilar o que está no nosso caminho.

No entanto, com reflexão, estamos a mudar esta situação; estamos a transcender esse padrão animal, básico e instintivo. Não somos somente marionetas cumpridoras das leis da sociedade, com medo de matar porque temos medo de ser punidos. Agora estamos realmente a tomar responsabilidade. Respeitamos a vida das outras criaturas, até a vida dos insectos e criaturas de que não gostamos. Jamais alguém irá gostar de mosquitos ou formigas, mas podemos reflectir acerca do facto de que eles têm o direito de viver. Isto é uma reflexão da mente; e não somente uma reação: ‘Onde está o insecticida?’ Eu também não gosto de ver formigas no meu chão; a minha reação inicial é, ‘Onde está o insecticida?’ Mas então, a mente reflectiva, mostra-me que ainda que estas criaturas me estejam a irritar e eu preferisse que elas desaparecessem, elas têm o direito de existir. Esta é uma reflexão da mente humana.

O mesmo pode ser aplicado a estados mentais desagradáveis. Assim, quando estiveres a sentir raiva, em vez de dizeres ‘Ora, lá estou eu zangado outra vez!’, reflectimos ‘Existe raiva’. Tal como com o medo; se o começares a ver como o medo da minha mãe ou o medo do meu pai ou o medo do cão ou o meu medo, aí tudo se transforma num emaranhado de diferentes criaturas relacionadas de algumas formas e não de outras; tornando difícil terem qualquer tipo de verdadeiro entendimento. E, no entanto, o medo neste ser e o medo naquele cão vadio é exactamente o mesmo. ‘Existe medo’, é somente isso.

O medo que eu já senti não é em nada diferente do medo dos outros e é assim que temos compaixão até para com velhos cães vadios. Compreendemos que o medo é tão horrível para os cães vadios como para nós. Quando um cão leva um pontapé de uma bota pesada e tu levas um pontapé de uma bota pesada, aquela sensação de dor é a mesma. Dor é somente dor, frio é somente frio, raiva é somente raiva. Não é minha, mas sim ‘Existe dor.’ Esta é uma forma inteligente de pensar, que nos ajuda a ver as coisas de forma mais clara, em vez de reforçar a ideia de personalidade. Como resultado do reconhecimento do estado de sofrimento, de que sofrimento existe, surge a segunda revelação desta Primeira Nobre Verdade: ‘Deve ser compreendido’. Este sofrimento deve ser investigado.

Investigação do sofrimento Encorajo-vos a tentar compreender dukkha, a honestamente observar e com confiança aceitá-lo. Tenta compreendê-lo quando estiveres a sentir dor física, desespero e angústia ou ódio e aversão, ou qualquer que seja a forma que este tome, qualquer que seja a sua qualidade, quer ele seja extremo ou suave. Este ensinamento não significa que para te tornares iluminado tenhas de ser totalmente miserável, deixar que te tirem tudo ou ser torturado, significa, seres capaz de olhar para o sofrimento, ainda que só seja uma leve sensação de descontentamento, e compreendê-lo.

É fácil encontrar um bode expiatório para os nossos problemas. ‘Se a minha mãe me tivesse realmente amado ou se todos aqueles à minha volta tivessem sido verdadeiramente sábios e totalmente dedicados a tentarem proporcionar-me um ambiente perfeito então, eu não teria os problemas emocionais que agora tenho.’ Isto é mesmo tolice! No entanto é desta forma que algumas pessoas vêm o mundo, pensando que estão confusos e miseráveis porque não receberam o que seria justo. Mas com esta fórmula da Primeira Nobre Verdade, ainda que tenhamos tido uma vida muito miserável, aquilo que estamos a observar não é o sofrimento que vem de fora mas aquilo que criamos nas nossas mentes à volta do mesmo. Isto é um despertar na pessoa, um despertar para a verdade do sofrimento. E é uma Nobre Verdade porque já não culpa os outros pelo sofrimento que sentimos. Desta forma, a abordagem Budista é singular em relação a outras religiões, porque o ênfase encontra-se no caminho para deixar o sofrimento através da sabedoria, libertação de toda a delusão, em vez da obtenção de algum estado de felicidade ou união com o Supremo.

Não estou a dizer que os outros nunca são a fonte da nossa frustração e irritação, mas aquilo para que estamos a apontar com este ensinamento é a nossa reacção para com a vida. Se alguém estiver a ser mau para ti ou, propositada e malevolamente, a tentar fazer-te sofrer, e tu pensares que é essa pessoa que te está a fazer sofrer, ainda não percebeste esta Primeira Nobre Verdade. Ainda que ela te esteja a arrancar as unhas ou a fazer-te outras coisas horríveis, enquanto pensares que estás a sofrer por causa dessa pessoa não percebeste esta Primeira Nobre Verdade. Perceber o sofrimento é ver claramente que é a nossa reacção à pessoa que está a arrancar-nos as unhas, ‘Eu te odeio,’ isso é sofrimento. Ter as unhas arrancadas é doloroso, mas o sofrimento envolve ‘Eu te odeio’ e ‘Como é que me podes fazer isto’ e ‘Eu nunca te perdoarei’.

Todavia não esperes que alguém te arranque as unhas para praticares com a Primeira Nobre Verdade. Testa-a com coisas pequenas, como por exemplo, quando alguém é insensível, mal-educado ou ignorante para contigo. Se estás a sofrer porque essa pessoa te fez alguma desfeita ou te ofendeu de alguma forma, podes praticar com isso. Existem muitas ocasiões na vida diária em que podemos sentir-nos ofendidos ou zangados. Podemos sentir-nos irritados simplesmente pela forma como alguém anda ou pela sua aparência, pelo menos eu posso. Por vezes apercebes-te da aversão a surgir em ti, simplesmente devido à forma como alguém anda ou porque não fazem algo que deveriam fazer. Podemos tornar-nos bastante irritados e zangados por esse tipo de coisas. A pessoa na realidade não te fez nada de mal, não te arrancou as unhas, mas ainda assim você sofre. Se não consegues enfrentar o sofrimento nestas situações simples, nunca serás capaz de ser heróico e fazê-lo se alguma vez alguém te estiver realmente a arrancar as unhas! Nós trabalhamos com as pequenas insatisfações da vida quotidiana. Olhamos para a forma em como podemos ser magoados, ofendidos ou irritados pelos vizinhos, por pessoas com quem vivemos, pela Srª Maragareth Tatcher, pela forma como as coisas são ou por nós próprios. Sabemos que este sofrimento deve ser compreendido. Praticamos olhando realmente para o sofrimento como um objeto e compreendendo: ‘Isto é sofrimento.’ Assim temos a reveladora compreensão do sofrimento.

Prazer e descontentamento

Nós podemos investigar: Até onde nos trouxe esta indulgência pela procura dos prazeres? Há várias décadas que isto se perpetua, mas será que a humanidade está mais feliz por isso? Parece que hoje em dia nos foi dada a liberdade para fazermos tudo aquilo que queremos com drogas, sexo, viagens e por aí fora, tudo é permitido e nada é proibido. Tens de fazer algo realmente obsceno, realmente violento até seres marginalizado. Mas será que o fato de podermos seguir os nossos impulsos livremente nos tornou mais felizes ou mais descontraídos e satisfeitos?

Na realidade, isso tem-nos tornado muito mais egoístas; nós não pensamos em como as nossas acções podem vir a afetar os outros. Temos a tendência de pensar só em nós próprios: eu e a minha felicidade, a minha liberdade e os meus direitos. Assim tornome num tremendo chato, uma fonte de imensa frustração, irritação e infelicidade para as pessoas à minha volta. Se eu pensar que posso fazer e dizer tudo aquilo que quero, mesmo às custas dos outros, então torno-me uma pessoa que nada mais é do que um aborrecimento para a sociedade.

Quando a sensação ‘de aquilo que eu quero’ e ‘de aquilo que eu penso que deve e não deve ser’ surge, e nós queremos deliciar-nos com todos os prazeres da vida, inevitavelmente ficamos contrariados porque a vida parece tão desesperante e tudo parece correr mal. A vida põe-nos em turbilhão, correndo de um lado para o outro num estado de medo e de desejo. E mesmo quando conseguimos tudo o que queremos, pensamos que nos falta algo, que algo ainda está incompleto. Assim, mesmo quando a vida está a correr pelo melhor, ainda existe esta sensação de sofrimento, de algo ainda a ser feito, um tipo de dúvida ou medo a assombrar-nos. Por exemplo, eu sempre gostei de paisagens bonitas. Certa vez, durante um retiro Budista que conduzi na Suíça, levaram-me a ver umas montanhas muito bonitas. Então, apercebime que, perante tanta beleza, havia sempre presente uma sensação de angústia na minha mente. Perante esta corrente contínua de bonitas paisagens, tive a sensação de querer abraçar tudo, de a todo o momento ter de me manter bem alerta para assim poder consumir tudo aquilo com os meus olhos. Estava mesmo a esgotar-me! Ora, isso foi dukkha, não foi?

Eu noto que se faço algo sem prestar atenção, ainda que seja algo tão inocente como olhar para uma bela montanha, se somente estou a projectar-me para fora na tentativa de agarrar algo, isso traz-me sempre uma sensação desagradável. Como é que podes reter a beleza da Jungfrau (montanha  altitude de 4.158 m, é uma montanha dos Alpes Berneses) e da Eiger (montanha de 3.970 m de altitude e 1168 m de proeminência topográfica na Suíça)? A melhor solução é tirares uma fotografia, tentar capturar tudo num pedaço de papel. Isso é dukkha; se quiseres conservar algo bonito porque não te queres separar dele, isso é sofrimento.

Ter de estar presente em situações de que não gostas também é sofrimento. Por exemplo, eu nunca gostei de viajar de metro em Londres. Eu reclamava ‘Não quero ir de metrô, as estações são muito sujas e cheias de posters horríveis. Não quero ser espremido naqueles comboios minúsculos debaixo do chão’. Eu achava isto uma experiência completamente desagradável. Mas eu prestava atenção a esta voz que reclamava e lastimava, o sofrimento de não querer estar com algo que nos é desagradável. Então, tendo refletido, deixei de elaborar acerca da situação, para assim poder ficar só com aquilo que é desagradável e feio sem lhe adicionar mais sofrimento. Eu percebi que a situação era assim, e está tudo bem. Não necessitamos de criar mais problemas, quer acerca de estarmos numa estação de metro muito suja ou a apreciarmos paisagens bonitas. As coisas são como são, podemos apreciar e reconhecê-las na sua constante mudança sem nos apegarmos. Apego é querermos agarrar e jamais largar algo de que gostamos; querermos ver-nos livres de algo de que não gostamos; ou querermos ter algo que não temos.

Também podemos sofrer muito por causa de outras pessoas. Lembro-me que na Tailândia eu costumava ter pensamentos bastante negativos acerca de um dos monges. Ele fazia algo e eu pensava ‘Ele não devia de fazer isso,’ ou se ele dizia qualquer coisa ‘Ele não devia de dizer isso!’ Eu carregava este monge na minha mente e ainda que eu fosse para qualquer outro lugar, eu pensava nele; a imagem dele surgia e as mesmas reações vinham à tona: ‘Lembras-te quando ele disse isto e fez aquilo?’ e ‘Ele não devia ter dito isso e ele não devia ter feito aquilo.’

Quando encontrei um professor como o Ajahn Chah, lembro-me de querer que ele fosse perfeito. Eu pensava, ‘Oh! Ele é um professor maravilhoso, maravilhoso!’ Mas então, ele poderia vir a fazer algo que me desagradasse e eu pensava, ‘Eu não quero que ele faça nada que me desagrade porque eu gosto de pensar nele como sendo maravilhoso.’ Era como que dizer, ‘Ajahn Chah, seja sempre maravilhoso para comigo. Nunca faças nada que ponha qualquer tipo de pensamentos negativos na minha mente.’ Ainda quando encontras alguém que realmente respeitas e amas, tens o sofrimento do apego. Inevitavelmente, eles irão dizer ou fazer algo de que tu não gostas ou aprovas, causando-te dúvida e fazendo-te sofrer.

A certa altura, vários monges Americanos vieram para Wat Pah Pong (Ubon Ratchatani, Tailândia), o nosso mosteiro no Nordeste da Tailândia. Eles eram muito críticos e parecia que só viam o que estava errado. Eles não achavam que o Ajahn Chah fosse bom professor e não gostavam do mosteiro. Eu senti uma grande raiva e ódio a surgirem em mim porque eles estavam a criticar algo que eu adorava. Eu senti-me indignado, ‘Bem, se tu não gostas, sai daqui para fora. Ele é o melhor professor do mundo, se não consegues ver isso, então desaparece!’ Esse tipo de apego, estar enamorado ou ser devoto, é sofrimento, porque se algo ou alguém que tu amas ou gostas é criticado, sentes-te zangado e ofendido.

Clareza nas situações

Às vezes a clareza surge nas alturas mais inesperadas. Isto aconteceu-me quando vivia em Wat Pah Pong. O Nordeste da Tailândia não é dos lugares mais atraentes ou bonitos do mundo, com as suas florestas e vastas planícies e durante a estação quente torna-se extremamente quente. Antes de cada Dia de Observância nós tínhamos de varrer as folhas caídas nos caminhos do mosteiro. Eram bem vastas as áreas a varrer. Passávamos a tarde toda debaixo do sol quente, suando e a varrer, com vassouras grosseiras, as folhas para um monte; esta era uma das nossas tarefas. Eu não gostava de fazer aquelas tarefas. Pensava, ‘Eu não quero fazer isto. Eu não vim para aqui para ter de varrer as folhas do chão; Eu vim para aqui para me tornar Iluminado e em vez disso eles põem-me a varrer folhas. Para além disso, está muito calor e eu tenho uma pele clara; posso apanhar câncer da pele por estar aqui neste clima quente.’

Numa dessas tardes lá estava eu a sentir-me verdadeiramente infeliz, pensando ‘O que é que estou aqui a fazer? Porque é que eu vim para aqui? Porque é que estou aqui?’ E ali fiquei parado com a minha longa e grosseira vassoura, sem nenhuma energia, a sentir pena de mim mesmo e a odiar tudo. Então o Ajahn Chah aproximou-se, sorriume e disse ‘Wat Pah Pong é bastante sofrimento, não é?’ e com isto desandou. Então pensei, ‘Porque é que ele disse aquilo? E sabes, na verdade, não é assim tão mau.’ Ele pôs-me a reflectir ‘Será que varrer as folhas é mesmo tão desagradável?…Não, não é. É um tipo de coisa neutra; tu varres as folhas, não é bom nem mau…E suar é algo assim tão terrível? É mesmo uma experiência miserável e humilhante? É mesmo assim tão mau como eu estou a querer fazer parecer?…Não, suar não faz mal, é algo perfeitamente natural. E eu não tenho cancro da pele e as pessoas em Wat Pah Pong são muito simpáticas.

O professor é um homem muito bondoso e sensato. Os monges têm-me tratado bem. As pessoas leigas vêm e dão-me comida e… Afinal porque é que eu estou a reclamar?’ Refletindo acerca da verdade da minha experiência, pensei ‘Eu estou bem. As pessoas respeitam-me, sou bem tratado. Estou a ser ensinado por pessoas agradáveis num país também agradável. Não há nada de errado com isto, mas sim comigo; estou a criar um problema porque eu não quero varrer folhas e suar.’ E com isto tive uma revelação. De repente, senti em mim algo que estava sempre a reclamar e a criticar, e que estava a impedir-me de me entregar totalmente a diversas situações.

Outra experiência com a qual aprendi foi o costume de lavar os pés dos monges mais velhos quando eles regressavam da recolha das oferendas. Depois de caminharem pelas vilas e arrozais, os seus pés estavam enlameados. Quando o Ajahn Chah regressava, todos os monges, talvez uns vinte ou trinta, apressavam-se para o receber e lhe lavar os pés, no lava-pés que havia à entrada da sala de refeições. Quando vi isto pela primeira vez, pensei ‘Eu nunca vou fazer tal coisa!’ E no dia seguinte, assim que o Ajahn Chah apareceu, trinta monges apressaram-se para lhe lavar os pés. Eu pensei ‘Que coisa tão estúpida, trinta monges a lavarem os pés de um homem. Eu não o faço.’ No dia seguinte, a minha reacção tornou-se ainda mais violenta… trinta monges apressaram-se e lavaram os pés do Ajahn Chah… ‘Isto irrita-me mesmo, estou farto disto! Acho que é a coisa mais estúpida que alguma vez vi, trinta homens a lavar os pés de um homem! Sabes, provavelmente ele pensa que merece tal coisa; é só para lhe reforçar o ego. Ele deve ter um ego enorme, com estas pessoas todas a lavaremlhe os pés todos os dias. Eu nunca farei tal coisa!’

Eu estava a começar a ter uma reação extrema. E ali ficava, sentado, sentindo-me miseravelmente zangado. Olhava para os monges e pensava, ‘Que gente tão estúpida. Não sei o que estou aqui a fazer.’ Mas então comecei a escutar e pensei ‘É mesmo desagradável estar neste estado de espírito. Será que isto é mesmo algo para me deixar assim tão zangado? Ninguém me obrigou a fazer tal coisa, está tudo bem; não há nada de errado com trinta homens a lavarem os pés a outro. Não é imoral nem mau comportamento e talvez eles não se importem; talvez eles o queiram fazer, talvez não haja problema algum…Talvez eu devesse fazê-lo!’ E assim na manhã seguinte, trinta e um monges apressaram-se para ir lavar os pés do Ajahn Chah. Depois disso deixou de haver qualquer problema. Sentime mesmo bem: aquela coisa má em mim tinha cessado.

Podemos reflectir acerca destas coisas que nos causam indignação e raiva; existe algo de verdadeiramente errado com elas ou são somente algo sobre o qual criamos dukkha? Dessa forma começamos a perceber os problemas que criamos nas nossas vidas e nas vidas das pessoas à nossa volta.

Com Atenção Plena, estamos dispostos a suportar tudo o que a vida nos dá; a excitação e o aborrecimento, a esperança e o desespero, o prazer e a dor, o fascínio e a fadiga, o princípio e o fim, o nascimento e a morte. Dispomo-nos a a aceitar o todo na mente em vez de somente absorver o que nos é agradável e suprimir o que é desagradável. O processo que conduz à sabedoria passa por dukkha, observando, aceitando e reconhecendo o dukkha em todas as suas formas. Então deixas de estar simplesmente a reagir da forma que te é habitual, sendo indulgente na satisfação de todos os teus desejos ou suprimindo-os. E por essa razão consegues suportar melhor o sofrimento, sendo mais paciente para com ele.

Estes ensinamentos não estão fora da nossa experiência pessoal. Eles são, de facto, reflexões da nossa verdadeira experiência e não complicadas questões intelectuais. Assim, põe energia no teu desenvolvimento e não fiques encalhado na tua rotina habitual. Quantas vezes é que tens de te sentir culpada por causa do teu aborto ou dos erros que cometes-te no passado? Será que tens de passar todo o teu tempo, a simplesmente regurgitar as coisas que te aconteceram na vida e a entregares-te a infinitas especulações e análises? Algumas pessoas tornam-se em complicadas personalidades. Se somente te entregares às tuas memórias, pontos de vista e opiniões, ficarás para sempre aprisionado no mundo, e jamais o transcenderás de forma alguma.

Tu podes abandonar este pesado fardo se estiveres disposto a utilizar os ensinamentos com perícia. Diz a ti próprio: ‘Eu não me vou envolver mais nisto; eu recuso-me a participar neste jogo. Eu não me vou deixar levar por este estado de espírito.’ Começa a colocar-te na posição de quem sabe: ‘Eu sei que isto é dukkha; dukkha existe.’ É muito importante que tomes a resolução de ir ao encontro do sofrimento e que depois o toleres. É somente examinando e confrontando o sofrimento deste modo, que podemos esperar ter um grande momento de clareza: ‘ Este sofrimento foi compreendido.’ Estes são os três aspectos da Primeira Nobre Verdade. Esta é a fórmula que temos de usar e aplicar na reflexão sobre as nossas vidas. Sempre que sentires sofrimento, primeiro reconhece ‘O Sofrimento existe’, depois ‘Ele deve ser compreendido’ e finalmente ‘Ele foi compreendido’. Este entendimento do dukkha é a realização clara da Primeira Nobre Verdade.

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