Ajahn Anan Akiñkano
Quando o coração reconhece a vacuidade da pele, pīti (êxtase espiritual) irrompe, e corpo e mente se dissociam temporariamente. Haverá uma clara consciência de que a mente se desprendera da identificação com a forma física. Isso é magga — o caminho que erradica a ganância, a aversão e a ilusão. Ao vislumbrar esse caminho, as impurezas começaram a se dissipar, pois a própria experiência do magga as destrói, deixando o coração desperto e revitalizado.
Antes, apenas ouvira os mestres falarem sobre unificar a mente antes de investigar o corpo. Agora, compreendia por experiência própria: “É exatamente como eles disseram!” O coração tornara-se testemunha da verdade — o corpo visto conforme a realidade, sem margem para dúvidas. Este é o caminho! O caminho que adentra a “corrente do Dhamma” começava a se revelar.
Naquela fase, porém, o coração apenas começava a reconhecer o magga; ainda não havia uma transformação completa. A experiência foi suficiente para confirmar a direção correta, mas não para consumar a libertação. Mesmo assim, ao praticar dessa forma, sentimentos de êxtase profundo e contentamento surgiram, e o apego ao corpo enfraqueceu. Uma FÉ inquebrantável floresceu: “Este é o caminho percorrido por todos os praticantes do passado! Todos os que alcançaram a realização seguiram esta via!” Tinha absoluta certeza de que era o caminho para a Libertação do sofrimento. Embora ainda estivesse nos estágios iniciais, sentia-me profundamente encorajado.
A Disciplina do Silêncio e a Firmeza no Samādhi
Continuei praticando sem cessar, examinando a pele repetidamente, de todos os ângulos. Em interações sociais, mantinha-me em silêncio, preservando a contemplação e a serenidade mental. Conter a fala mostrou-se essencial. Por natureza, sou falador, mas, durante meu sexto retiro das chuvas, decidi evitar falar quase por completo. Percebi que o excesso de palavras agitava a mente — quando chegava à meditação sentada, a agitação persistia, impedindo a quietude. Por isso, adotei a contenção.
Meu mestre sempre nos exortava: “Fale pouco, durma pouco, coma pouco.“ No entanto, sem reconhecer os malefícios da indulgência, seguir esse ensinamento é difícil. Naquele retiro, porém, testemunhei os efeitos nocivos da fala desregrada e empenhei-me no silêncio. Quando falava menos, a mente permanecia contida e serena, e o samādhi consolidava-se. Foi assim que compreendi, na prática, por que sīla (disciplina ética) é a base indispensável para o surgimento do samādhi.
Quando o samādhi se tornou mais firme e focado, pratiquei a contemplação da pele como dhātu — elementos fundamentais — fazendo-a desintegrar-se no vazio. Em pouco tempo, tornei-me mais hábil e proficiente em desapegar-me do corpo, vendo-o como anattā, anicca e dukkha. À medida que eu via as coisas sob essa perspectiva cada vez mais, com profundidade crescente, minha desenvoltura e compreensão aumentavam continuamente. Meu mestre me incentivou a buscar proficiência na minha contemplação, ou seja, nada menos que perícia no campo da investigação e da análise.
Continuei praticando dessa maneira até o fim do retiro das chuvas. No entanto, às vezes, ao contemplar a pele, o cansaço se instalava, e eu tinha que mudar minha prática, voltando-me para outros objetos de contemplação, como os ossos. Quando a mente estava em paz, eu me esforçava continuamente para contemplar a pele.
Em 28 de dezembro de 1981, eu estava sentado em meditação e, quando a mente emergiu de seu estado concentrado, comecei a contemplar a pele, removendo-a dos lábios. Assim que a pele caiu no chão, o coração percebeu instantaneamente que a pele não é o EU… Bastou ver a pele com insight para compreender profundamente todo o corpo, pois ela é da mesma natureza, composta dos mesmos elementos fundamentais. Qualquer elemento fundamental visto com clareza revela todo o corpo físico sob essa mesma luz, e as impurezas da ganância, do ódio e da ilusão diminuem gradualmente.
Em seguida, minha confiança no Buddha, no Dhamma e no Saṅgha aumentou significativamente… O coração estava firme e repleto de uma fé imensa, independentemente do estado mental ou do humor que surgisse. Suponha que alguém me dissesse para matar um animal, afirmando: “Se você não matar esta criatura, eu o matarei!” No entanto, a mente teria se decidido, o coração já teria chegado a um acordo, porque viu claramente o corpo como anicca, dukkha e anattā; não mais permitiria a prática de atos prejudiciais nem se submeteria a ações malignas. O caminho que leva aos reinos inferiores de tormento e miséria — através da prática de ações malignas e inábeis — foi fechado e selado. Como isso acontece? É precisamente este coração que se fecha. Isso ocorre naturalmente porque sīla passa a residir no coração.
Antes de 28 de dezembro, minha prática de sīla era apenas uma forma externa, o uso de preceitos para disciplinar a conduta no corpo e na fala. Mas, nesse dia… a prática de sīla tornou-se uma questão interna do coração. O coração tornou-se disciplinado interiormente, capaz de discernir entre o certo e o errado sem depender de preceitos externos. Por exemplo, às vezes eu cometia um erro, mas, com a mente calma e em paz, ela reconhecia que aquele ato era prejudicial. O coração havia alcançado equilíbrio e segurança, e assim eu permanecia sempre no caminho correto, abandonando gradual e constantemente o mal…
Em seguida, minha meditação prosseguiu suavemente, sem obstáculos e com uma compreensão clara do caminho da prática MEDITATIVA. Continuei a me esforçar na investigação do corpo físico, contemplando a pele em termos de suas propriedades elementares. Por meio do poder do samādhi focado no corpo, fazia com que esses elementos se desintegrassem e desaparecessem, até que o corpo fosse visto como anattā.
Às vezes, no decorrer da minha meditação, o cansaço com o objeto de contemplação se instalava, e então eu mudava meu foco. Por exemplo, se me cansasse de contemplar a pele das mãos, voltava-me para o peito ou a cabeça, ou imaginava a pele salpicada de sangue, fazendo-a desintegrar-se e desaparecer, revelando sua natureza insubstancial. Eu precisava ser flexível, usando meios hábeis em minha investigação. No entanto, isso é uma questão individual, pois cada pessoa é diferente.
Refletia que, às vezes, ao investigar o mesmo tema de meditação, o coração relutava em prosseguir; tornava-se monótono e tedioso, como comer apenas um tipo de comida. Quando o coração se entediava, eu precisava adaptar-me, ajustando minha meditação para que ele pudesse ver o corpo com insight como anattā.
PS. Havendo dúvidas nas palavras em PALI no texto, pode nos escrever que esclareceremos. Temos o livro (BUSCANDO BUDDHO: Ensino e Reflexões) completo do Ajahn Akiñkano também disponível em PDF. Interessado, escreva-nos.

