Thanissaro Bhikkhu & Ajahn Suwat Suvaco
Desencantamento
Agora começaremos a meditar, como temos feito todos os dias. Temos que encarar isso como uma oportunidade importante. Mesmo que nossa prática ainda não tenha alcançado o Dhamma de forma satisfatória, pelo menos é um começo, um começo importante, para reunir a força da mente, de modo que nossa atenção plena, concentração e discernimento se tornem saudáveis e maduros. Devemos tentar reunir essas qualidades para que se reforcem mutuamente na purificação das manchas e impurezas de nossas mentes — pois, quando as impurezas surgem, elas não conduzem à paz, à pureza ou ao descanso da mente. Pelo contrário: elas conduzem ao sofrimento, à inquietação e à perturbação. Elas bloqueiam qualquer discernimento que possa conhecer ou ver o Dhamma. Não há impurezas que nos incentivem a praticar o Dhamma, a conhecer ou ver o Dhamma. Elas simplesmente atrapalham nossa prática.
Portanto, qualquer estado mental que atrapalhe nossa prática deve ser considerado uma impureza — pois as impurezas não surgem por si mesmas. Elas dependem da mente. Qualquer estado mental sonolento ou preguiçoso, qualquer estado mental inquieto, raivoso ou irritável: tudo isso é impureza. São estados mentais sob a influência da impureza, superados pela impureza.
Se algum desses estados mentais surgir em nós, devemos estar cientes deles. Quando a mente estiver sonolenta, devemos fazê-la manter buddho em mente para que ela desperte e se livre da sonolência. Quando a mente estiver inquieta e irritável, devemos usar nosso discernimento para refletir sobre as coisas e ver se esses estados mentais não servem para nada. Então, devemos retornar rapidamente à nossa prática de concentração, plantando a mente firmemente em nosso tema de meditação, não permitindo que ela fique inquieta e distraída novamente.
Concentramos a mente em estar ciente de sua palavra de meditação, buddho — o que é consciente, o que é desperto. Mantemos isso em mente como se fosse um poste firmemente fincado no chão. Não deixe a mente se afastar do poste de fundação no qual você se concentrou. Mas, seja qual for o seu foco, não deixe que ele fique tenso. Você precisa manter a mente de bom humor enquanto ela estiver focada. Faça isso com uma atitude de Atenção Plena e discernimento, não de ilusão, querendo saber isso ou ver aquilo ou forçar as coisas a se alinharem com seus pensamentos. Se for assim que você medita, seu humor ficará tenso e você não conseguirá meditar por muito tempo. Em pouco tempo, você começará a ficar irritado.
Portanto, se você quiser meditar por um longo tempo, precisa ser neutro, tendo a equanimidade como base. Se você quer conhecimento, concentre-se firmemente naquilo que você já está ciente. Mantenha sua mente firmemente no lugar. Encontre uma abordagem que o ajude a manter o foco sem se desviar. Por exemplo, esforce-se para manter sua mente firmemente concentrada e aplique seus poderes de observação e avaliação à base do seu buddho. Todas essas coisas precisam ser reunidas no mesmo lugar, juntamente com qualquer pensamento que você precise fazer para que a atenção plena não se perca, permitindo que questões externas inábeis se intrometam, ou deixando uma abertura para que preocupações internas surjam no coração, ou se deixando perturbar por pensamentos do passado — coisas que você sabia, viu, disse ou fez mais cedo hoje, ou muitos dias, muitos meses, muitos anos atrás. Você precisa se concentrar exclusivamente no presente.
Se você adotou buddho como tema de meditação, continue voltando a ele repetidamente. Buddho significa consciência. Se você conseguir manter a consciência sem lapsos, isso fará uma diferença importante. Se você adotou a respiração como tema, precisa estar atento a cada inspiração e expiração. Você não pode se deixar divagar. Você precisa tomar apenas a respiração como ponto focal para a atenção plena. Os mesmos princípios se aplicam em ambos os casos. Você faz as mesmas coisas; a única diferença é o tema da sua consciência.
Por que o Buda nos ensina a focar na respiração? Porque não precisamos procurá-la, não precisamos adivinhar, não precisamos pensar para que ela aconteça. É um fenômeno presente. Não existe respiração passada ou respiração futura. Há simplesmente a respiração entrando e saindo no presente. É por isso que é apropriado para exercitar nossa atenção plena, para reunir nossa atenção plena e consciência em um único lugar, para estabelecer firmemente a concentração.
Assim, você pode se concentrar em qualquer tema — aquele sobre o qual você já meditou e descobriu que a Atenção Plena pode se estabelecer rapidamente sem falhas e pode produzir rapidamente uma sensação de tranquilidade e paz. Estabeleça esse tema como sua base. Ao começar, concentre-se em manter esse tema em mente.
Contemplação do Corpo e Desencanto
Uma vez que a mente tenha alcançado quietude suficiente, se você simplesmente desejar que ela permaneça mais calma, ela entrará em um estado em que não realiza nenhum esforço, pois não está distraída. Se isso ocorrer, é hora de começar a contemplar. Nos fundamentos da atenção plena, somos ensinados a contemplar os diversos aspectos do corpo em si mesmos. Não é necessário contemplar mais nada. Se você quiser refletir sobre a inconstância, é neste corpo. Se desejar meditar sobre o sofrimento, é neste corpo.
Você pode contemplar sob qualquer perspectiva. Se quiser refletir sobre o abandono da paixão e do desejo, observe as partes repugnantes e impuras — e descubra que elas permeiam todo o corpo. Isso exige que você utilize sua própria inteligência. Seja qual for o ângulo adotado, é preciso examinar as coisas de forma cada vez mais sutil e refinada. Contemple-as repetidamente até que surja nibbida (desencanto), evitando assim a ilusão do apego e dos significados atribuídos no passado.
Transforme sua mente, substituindo antigas visões equivocadas por novas percepções. Abandone as concepções errôneas e cultive a visão correta. Deixe de lado os velhos padrões de pensamento e adote resoluções adequadas — enxergando o corpo como algo repulsivo e desinteressante. Essa é nekkhamma-sankappa, a resolução de renúncia, a determinação de libertar-se da paixão sensual. Não permita que a mente vagueie por outras direções; concentre-se em superar a ilusão da beleza corporal.
O que os olhos veem do corpo é apenas a superfície. Eles nunca observam verdadeiramente as impurezas internas. Mesmo quando as vemos ocasionalmente — como em acidentes mortais ou cirurgias —, algo na mente nos impede de refletir profundamente. Ignoramos essas visões, sem permitir que gerem discernimento.
Portanto, contemple o corpo. Se a mente já desenvolveu uma base sólida de quietude, não se limite apenas à tranquilidade. No entanto, se ainda não alcançou esse nível, não a negligencie. Primeiro, é essencial acalmar a mente, pois a quietude é o alicerce indispensável. Se tentar contemplar antes que a mente se estabilize, o conhecimento obtido durará apenas durante a meditação. Ao sair dela, os velhos entendimentos retornarão, como se você nunca tivesse meditado. As ilusões do passado persistirão, a menos que suas novas percepções estejam fundamentadas na serenidade.
Por isso, a quietude é crucial. Fortaleça a mente com a calma e, então, contemple o corpo em suas 32 partes. Você pode focar em uma parte específica até que se torne clara ou examiná-las em grupos de cinco. Ao chegar aos fluidos, divida-os em conjuntos de seis, pois são doze no total. Contemple-os em sequência — por exemplo, kesa, loma, nakha, danta, taco (cabelos da cabeça, pelos do corpo, unhas, dentes, pele) — e depois inverta a ordem. Em seguida, passe para o próximo grupo: mansam, nharu, atthi, atthimiñjam, vakkam (músculos, tendões, ossos, medula, baço).
Assim se pratica a atenção plena. Se, durante esse exercício, surgir uma imagem mental de qualquer parte, aprofunde sua contemplação. Analise o corpo interno e externamente, percebendo que todos os seres vivos são assim. Se busca ver a impureza, ela está aqui. Se procura compreender o não-eu, está aqui. Questione-se: “Há permanência nisso? Há prazer verdadeiro? Vale a pena?” Persista nessas reflexões até que a mente aceite a verdade, abandonando as ilusões e alinhando-se ao Dhamma do Buda.
Quando suas visões se transformam dessa maneira, a mente experimenta uma nova quietude. Afasta-se da febre dos desejos, da aversão e da ignorância, voltando-se para a atenção plena, a concentração e o discernimento. Seu conhecimento torna-se claro, sem hesitações. A coragem substitui o medo, pois você compreende a verdade: nada sofre além dos agregados; nada morre além dos elementos. A mente se firma, meditando com confiança, sem temer dor, doença ou morte. Mesmo que a morte chegue, você estará em paz, pois já viu a realidade das coisas.
Portanto, seja diligente em sua contemplação. Faça-o com sinceridade — não como mero ritual —, pois essas verdades são reais. Sem meditação, as impurezas dominarão seus pensamentos, impedindo-o de ver a realidade. Os olhos enganam: veem apenas a superfície, que pode ser adornada para iludir. Cabelos, unhas, dentes — tudo pode ser manipulado para criar falsas impressões. A mente é quem se engana, agarrando-se a suposições e sofrendo por isso.
Por isso, desenvolva qualidades nas quais a mente possa se refugiar, evitando que as impurezas a enganem. Analise as coisas para perceber o que é ilusório. Ao olhar profundamente, você verá o que é falso e transitório. Compreenderá: “O verdadeiro não tem esta cor, este cheiro, esta forma.” Isso é ter o Dhamma como refúgio — uma âncora que o protege das ilusões dos sentidos.
Assim, você não mais se deixará enganar, pois sentirá vergonha de suas antigas ilusões. O coração se desencanta de seus velhos hábitos, reconhecendo que eles só trazem sofrimento. Em vez disso, colherá os benefícios da nova visão: paz, clareza e libertação. Os fardos do passado se dissipam. A ganância por posses desaparece, e o contentamento surge nas necessidades básicas. A felicidade é encontrada na serenidade da meditação.
As ilusões que antes o dominavam se desfazem. A ignorância se dissolve. A Mente, agora sábia, não mais se apega às aparências. E assim chegam ao fim os problemas e sofrimento.