Thanissaro Bhikkhu
Você provavelmente já percebeu que, enquanto está sentado meditando — pensando na respiração, avaliando a respiração — você está falando consigo mesmo. Você está lembrando: “Agora fique aqui”, comentando sobre a respiração e tentando pensar em maneiras de melhorar a respiração, em onde focar, no que acha interessante, no que acha útil. Essa conversa interna é, na verdade, uma parte importante da Meditação. É chamada de fabricação verbal: trata-se da maneira como a mente conversa consigo mesmo. O que você está tentando fazer enquanto medita, é, na verdade, aprender a fazer com que essa tagarelice, que geralmente é um problema, seja parte do caminho, um elemento de sua concentração que ajude a mente a se acalmar com interesse; com uma sensação de conforto, uma sensação de bem-estar.
Então, assim que o bem-estar ficar mais e mais firmemente estabelecido e a mente ficar mais centrada, você poderá abrir mão de grande parte dessa conversa interna, pois ela já terá cumprido sua finalidade. Terá realmente cumprido a sua finalidade. E é aí que a mente pode realmente se acalmar. Uma das maneiras de você aprender a ser hábil na sua conversa interna é ser hábil na sua conversa externa. É por isso que a Fala Correta é um fator do caminho. A maneira como falamos com nós mesmos tem muito a ver com a maneira como ouvimos outras pessoas falar e com a maneira como falamos com elas.
Assim, se a maioria das conversas gravadas na sua mente forem conversas inábeis, você perceberá que você se engajará na conversa inábil na sua meditação também. As pessoas estão expostas a uma grande quantidade de negatividade. Você pode se deparar com essa negatividade ao meditar, e então terá que aprender novos hábitos. E você não aprende novos hábitos simplesmente parando e não falando absolutamente nada. Você na verdade aprende novos hábitos se envolvendo com outras pessoas que pratiquem a Fala Correta.
Por isso é bom pensar da definição do Buddha de Fala Correta. Existem quatro tipos de conversa que você deve evitar: a mentira, a fala grosseira, a fala divisora e a conversa sem propósito. Cada uma é definida pela intenção por trás dela. Mentir é falar com a intenção de adulterar a verdade. A fala grosseira é aquilo que você diz com a intenção de ferir os sentimentos de alguém. A fala divisora é gerada com a intenção de quebrar ou impedir amizades. E a fala sem propósito é basicamente a fala sem nenhuma intenção clara, um tagarelar só para ter algo a dizer. Você deve aprender como evitar essas formas de conversa e também aprender algumas das sutilezas da Fala Correta pois, em alguns casos, não é muito claro.
No entanto, aquilo que é considerado mentira está bem definido. Você nunca deve adulterar a verdade para ninguém. É por isso que esse é um dos preceitos, ou seja, uma regra que você estabelece para si mesmo e, em seguida, tenta seguir em todas as situações. É claro que sua engenhosidade e seu discernimento serão testados ao fazer isso, porque haverá momentos em que as pessoas farão perguntas e você sabe que dar uma resposta verdadeira trará problemas. O próprio Buddha disse que ele não contaria a verdade em situações em que isso causasse ganância, raiva e delusão. Mas não significa que ele mentiria, simplesmente que evitaria esses tópicos.
Então, você tem que descobrir maneiras hábeis de evitar certas questões sem deixar que a outra pessoa saiba que você está evitando-as. Suponha que alguém venha a você e diga: “Você viu o meu marido com outra mulher”? E você viu, mas não quer se envolver. Então, você tem que descobrir uma maneira de mudar de assunto. Direcione a pergunta para a mulher e diga: “Por quê? Você suspeita algo do seu marido”? E faça com que ela fale. Dessa forma, você pode evitar responder à pergunta. Esse é um caso especial, mas, ainda assim, mesmo em casos especiais, você não pode adulterar a verdade. É por isso que esse princípio é um preceito.
Uma das razões pelas quais as outras formas de fala incorreta não são expressas como preceitos é porque elas não são tão absolutas como no caso de mentir.
Há momentos, por exemplo, em que a fala grosseira é necessária. O Buddha faz uma analogia: é como ter um filho, um bebê que ainda não sabe o que deve ou não comer e que colocou um pedaço de vidro afiado em sua boca. Você tem que fazer tudo o que puder para tirar o vidro para fora, mesmo que os meios usados provoquem sangramento, pois se o bebê engolir o vidro, o dano será ainda maior. No caso do Buddha, ele disse coisas duras sobre Devadatta, cara a cara: primeiro, na esperança de que Devadatta pudesse recuperar a razão, e depois para advertir todos os outros monges ao redor de que Devadatta tinha realmente saído do caminho.
Alguém certa vez o abordou sobre isso, perguntando-lhe: “Será que o Buddha seria capaz de dizer algo grosseiro para alguém”? Essa foi concebida como uma pergunta embaraçosa, a ideia é que, se o Buddha dissesse que Não, então eles diriam: “E sobre o que o senhor disse para o Devadatta? Foi grosseiro. Feriu os sentimentos de Devadatta”. E se o Buddha dissesse que Sim, que ele diria coisas grosseiras para outras pessoas, então eles diriam: “Bem, qual é a diferença entre o senhor e outras pessoas comuns”? Então, os inimigos do Buddha colocaram essa questão para ele, mas ele respondeu que a pergunta não merecia uma resposta categórica, mas, ao invés disso, merecia uma resposta analítica. Há momentos em que, ao decidir o que dizer, ele perguntaria, em primeiro lugar: “Isso é verdade”? Se não fosse verdade, ele não diria nada. Em segundo lugar: “Isso é benéfico”? E se fosse um daqueles raros casos em que dizer algo grosseiro seria benéfico, então a próxima pergunta seria: “Este é o momento certo e lugar certo para dizer isso”? Somente se ele pudesse dizer Sim a todas essas três perguntas ele falaria essas coisas.
Esse princípio se aplica à fala grosseira e também à fala divisora, porque às vezes você vê que um de seus amigos de repente está desenvolvendo uma amizade com alguém que você sabe que é abusivo, que você sabe que é corrupto, que você sabe que prejudicará o seu amigo e você tem que encontrar a maneira certa para proteger o seu amigo. Então, novamente, você pode acabar dizendo algo que pode soar divisor, mas é com uma intenção compassiva.
Quanto à fala sem propósito, há momentos em que uma simples conversa que use um pouco de graxa social é necessária, para azeitar uma situação específica, como no trabalho, quando você quer que todos trabalhem juntos sem problemas. Mas sua motivação tem que estar muito clara para você, o que significa que aquela já não é apenas uma fala sem propósito. Tem que ficar claro para você o ponto em que ela começa a se tornar totalmente inútil, sem sentido, onde o trabalho começa a ficar todo “engraxado”. Você tem que desenvolver um senso de quanto você dizer para que as pessoas se sintam à vontade, e, em seguida, parar. Isto requer verdadeiro discernimento e é por essa razão que não há nenhum preceito contra esse tipo específico de fala incorreta. Você tem que ser sensível ao que a situação requer.
Depois de entender as sutilezas da Fala Correta, você pode começar a aplicar os mesmos princípios na sua mente. Primeiro, você nunca mente para si mesmo. Agora, enquanto meditar, você pode encontrar-se mentindo para si mesmo de maneiras sutis. Você tem que se flagrar fazendo isso. Jogue a luz de sua consciência nessas mentiras, realce-as para si mesmo. Diga a si mesmo: “Olha, isso simplesmente não é verdade”. A mente tende a colocar-se todos os tipos de paredes de negação. Essa é uma das razões pelas quais as pessoas têm dificuldade em ver as suas intenções, porque estão acostumadas a mentir para si mesmas sobre suas intenções. Pouquíssimas pessoas gostam de admitir que estão operando baseadas em suas intenções corruptas. Ou, mesmo que saibam que o que estão fazendo não está certo, elas tentam justificar-se de uma forma ou de outra. E, como um meditador, você não pode se envolver de forma alguma nesse tipo de justificação, porque essa é precisamente a ignorância que o manterá preso ao sofrimento.
Quanto à fala grosseira, você não deve gritar com você mesmo de uma forma que o deixe desencorajado no caminho, mas há outros momentos em que você tem que ser duro consigo mesmo. Quando você se pega cedendo a hábitos inábeis repetidas vezes, chega uma hora que tem que dizer: “Olha aqui, isso é tolice; isso é burrice”. Use qualquer linguagem que funcione para que você capte a mensagem.
O mesmo serve para a fala divisora: se você está se tornando amigo de suas corrupções, tem que apontar as más qualidades delas. Lembre-se do que a ganância fez com você no passado, do que a luxúria fez por você no passado; a raiva, delusão, todas as qualidades mentais inábeis. Você deve se separar delas. E quanto à fala sem propósito, você tenta transformá-la na fala com propósito. Em outras palavras, você tem que incentivar-se, dizer coisas boas sobre si mesmo, lembrar-se de todas as coisas boas que você fez no passado. Isso se transforma em algo que na realidade é um tipo intencional de meditação.
Silanussati , lembrar todas as vezes que você evitou fazer coisas danosas; caganussati , lembrar todas as vezes que você foi generoso, não só com as coisas materiais, mas também com a sua boa vontade, sua compaixão, seu perdão. Em outras palavras, existem momentos em que você tem que aprender a colocar-se de bom humor. Caso contrário, a Meditação fica seca, atravancada, como um motor que ficou sem óleo.
O que isso significa é que as três perguntas que você aplica à sua fala também são aplicadas aos seus pensamentos. Primeiramente, é verdade? Se isso não é verdade, não pense nisso. Segundo, é benéfico? Caso contrário, não pense nisso. E, em terceiro lugar, se for benéfico, este é o momento certo para esse tipo de pensamento? É este o momento de punir a mente com dureza ou este é o momento de incentivar e consolar a mente? É este o momento de romper os laços de sua amizade com a ganância, raiva e delusão? Qual é a maneira mais eficaz de fazer isso? Porque, às vezes, se você o fizer de uma forma ineficaz, a mente ficará mais defensiva. Ajahn Fuang tinha uma regra: se alguém ficasse realmente deludido em sua meditação e se você não fosse o professor dessa pessoa, você não falaria com ela sobre isso. Não adianta tentar criticá-la ou apontar as falácias em sua meditação, porque isso apenas irá torná-las ainda mais defensiva. Há muito orgulho que se acumula nesse tipo de situação.
Portanto, essas são áreas que você deixa de lado. Mas, com você mesmo, você deve ser muito mais franco sobre onde sua amizade com suas várias ideias e apegos estão realmente levando você. Mas aprenda como fazê-lo de forma que você mostre estar agindo a favor dos melhores interesses da sua mente, de coração.
Portanto, há uma habilidade para a Fala Correta, tanto dentro como fora. Existem sutilezas. Quando você aprende essas sutilezas, as fabricações verbais do seu pensamento direcionado e da avaliação realmente se tornam parte da sua concentração. Como diz no sutta da Mindfulness baseada na respiração, há momentos em que você precisa alegrar a mente. Há momentos em que você precisa libertar a mente de seus apegos. Aprenda a respirar de tal forma que o ajude a fazer isso. Aprenda a falar com a mente de tal maneira que ajude você a fazer isso também, até o ponto em que você terá dito o que precisava ser dito e então você poderá se calar.
Dessa forma, a Fala Correta interna e a Fala Correta externa se tornam ambas parte do caminho.
Obrigada pelos ensinamentos claros e fáceis de entender 😊.
Que coisa boa receber esta sua consideração.
A ideia é divulgar o Dhamma (ensinamentos) para todos.
Com isto fazemos MÉRITOS… (e assim melhoramso o karma)
Havendo dúvidas não se furte em perguntar ou levantar esclarecimentos.
Metta.
EDMIR