Marcus Rosa – Brasília
Paz não é imobilidade – Divulga-se a agitação da mente como uma grande qualidade. Aplaudem quem diz “eu não sei ficar parado; tenho que estar sempre fazendo alguma coisa”. A pergunta é: essa pessoa está em paz? É possível fazer as coisas e estar em paz ao mesmo tempo? Confunde-se paz com morte: “fulano morreu e agora está em paz”. Isso vem sendo martelado na nossa cultura há séculos “só há paz na morte”. Assim, como ninguém quer morrer (ou pelo menos a maioria de nós), busca-se a agitação como uma forma de escapar da morte.
Paz é movimento – Tudo é impermanente porque tudo está em constante transformação. Tudo muda o tempo todo. Quem acredita que estar em paz é ficar parado está redondamente enganado. Paz é o entendimento da inevitabilidade da modificação dos estados mentais e do corpo. Paz é a não reatividade aos movimentos inerentes à realidade das coisas. Nesse sentido, podemos dizer que paz é fazer as pazes com a mudança, entendendo, primeiro, que tudo é passageiro.
Praticando a paz – Não é fácil estar em paz quando tudo está mudando o tempo todo. Tentamos acompanhar as notícias, solucionar as demandas e resolver problemas na crença de que estar em paz é a ausência de contato com notícias, é não ter demandas nem problemas. Paz é o entendimento de que as coisas mudam e, por isso, sempre haverá demandas. A pia do banheiro entupiu. Ok, vamos lá e desentupimos. Mas isso garante que a pia nunca mais entupirá novamente? Certamente que não. Estar em paz é estar pronto para o movimento conforme as circunstâncias mudam. Começamos com pequenas coisas do cotidiano como uma pia entupida ou uma lâmpada queimada, e depois vamos passando para questões mais complicadas do trabalho. Assim vamos, nos tornando cada vez mais aptos ao movimento pacífico.
Movimento pacífico – Se tudo está em movimento, logo tudo está surgindo, se modificando, se deteriorando e desaparecendo. A paz mental é saber entrar no movimento pacífico do universo. Adianta ter pressa? Basta se perguntar se as nossas pressas aumentam ou aliviam nosso sofrimento para descobrir a resposta. Se a pressa não adianta, precisamos aprender a encontrar nosso movimento pacífico, que é aquele estado de atenção ao que se faz, sem querer estar no próximo momento, ou querer apressar os resultados, sem querer nada. Nós estamos aqui e pronto. A conquista da paz se dá neste exato momento. Só há verdadeira paz no momento presente. É possível, portanto, estar em paz mesmo passando por momentos difíceis, pois paz não é a ausência de dificuldades, mas o modo como lidamos que elas.
As três perguntas – Pergunte-se: “o que eu posso fazer”; “o que eu preciso suportar”; “o que eu preciso abandonar” para estar em Paz. O Buda disse que um excelente amigo é aquele capaz de fazer o que é difícil de ser feito; de suportar o que é difícil de ser suportado; e de abandonar o que é difícil de ser abandonado. Esse é um amigo que encontrou a paz. E porque ele está em paz?
Saber fazer – O fazer saudável é viver disponível para fazer o que precisa ser feito. Em vez de fazer o que se gosta ou o que se quer, a pessoa que está em paz consigo mesma direciona suas intenções e energias para atividades construtivas, para o serviço despretensioso, para o cuidado e o autocuidado. Se dá ou não trabalho, ela faz do mesmo jeito. É preciso caminhar todos os dias, ela vai lá e caminha. É preciso mudar a alimentação, ela vai lá e muda. É preciso escutar a amiga em dificuldades, ela vai lá e escuta. A pessoa em paz não cria empecilhos ao fazer e não foge às responsabilidades. Ela faz no ritmo dela, sempre atenta ao que está fazendo, sem rejeitar a atividade. Ela sabe quais ações são necessárias e quais não são, por isso não desperdiça seu tempo com ações inúteis ou prejudiciais para si ou para outrem. Cessada as atividades, ela procura descansar em si mesma. Ela troca o fazer pelo ser. É completa.
Saber suportar – E porque quem sabe suportar está em paz? Quando as dificuldades chegam, ele é capaz de suportá-las sem vacilar, sem querer fugir das dificuldades, sem tentar fugir da vida. A vida não é uma fuga constante das dificuldades ou das sensações desagradáveis. Viver é estar onde você está, suportando quem você é neste momento. Saber suportar é saber ir eliminando os vícios, os hábitos insalubres, e desenvolver força suficiente para aguentar as crises de abstinência. Só assim se é livre. Só assim se está em paz.
Saber abandonar – E, por fim, o que podemos dizer sobre o saber abandonar? Saber abandonar é estar em paz, é ser capaz de abandonar o que for preciso para estar em paz. Quando perdemos algo e ficamos pensando na perda, isso não é estar em paz. Nunca estará em paz quem não consegue abandonar o passado, os objetos materiais, as emoções constritoras da liberdade e os pensamentos não-saudáveis. Quem sabe abandonar é uma pessoa leve, e, quem é leve, normalmente está em paz.