Anuruddha Maha Thera
Abidamma ou Abhidhamma são textos budistas antigos que contêm apresentações escolásticas detalhadas de material doutrinário que aparecem nos suttas budistas. Refere-se também ao próprio método escolástico (estudos), bem como ao campo de conhecimento que se diz que este método estuda. Bhikkhu Bodhi chama-o de “uma sistematização abstrata e altamente técnica da doutrina [budista]”, que é “simultaneamente uma filosofia, uma psicologia e uma ética, todas integradas na estrutura de um programa de Libertação“. De acordo com Peter Harvey, o método Abhidhamma procura “evitar as inexatidões da linguagem coloquial convencional, como às vezes é encontrada nos Suttas, e declarar tudo em linguagem psicofilosoficamente exata“. Nesse sentido, é uma tentativa de expressar melhor a visão budista da “realidade última”. Existem diferentes tipos de literatura Abhidhamma.
PREFÁCIO do LIVRO
O Abhidhamma, como o próprio termo indica, constitui o Ensinamento Superior do Buda, expondo a quintessência de Sua doutrina profunda.
O Dhamma, expresso no Sutta Pitaka, representa o ensinamento convencional (vohāra desanā), enquanto o Abhidhamma é o ensinamento supremo (parāmaṭṭha desanā). Nele, tanto a Mente quanto a matéria — componentes do complexo mecanismo humano — são analisadas microscopicamente. Os principais eventos relacionados ao processo de nascimento e morte são minuciosamente explicados, os pontos mais intricados do Dhamma são esclarecidos, e o Caminho da Emancipação é apresentado com clareza.
A Psicologia Moderna, embora limitada em seu escopo, aproxima-se do Abhidhamma ao abordar a mente, os pensamentos, os processos Mentais e os estados psicológicos — porém, sem admitir a existência de uma “psique” ou “alma”. O Budismo, assim, propõe uma psicologia sem alma. Se alguém ler o Abhidhamma esperando um tratado de psicologia contemporânea, ficará desapontado, pois ele não se propõe a resolver todos os dilemas enfrentados pelos psicólogos modernos.
No Abhidhamma, a consciência é definida, os pensamentos são analisados e classificados sob um viés ético, e todos os estados mentais são metodicamente enumerados. A composição de cada tipo de consciência é detalhada, e a descrição dos processos de pensamento — que surgem através dos cinco sentidos e da Mente — revela-se fascinante. Nenhum outro sistema psicológico oferece uma exposição tão clara e precisa desses mecanismos.
Conceitos exclusivos do Abhidhamma, como os momentos de pensamento Bhavanga e Javana — que não possuem equivalentes na psicologia moderna — são de especial interesse para pesquisadores. A noção de que a consciência flui como um rio, proposta por pensadores como William James, torna-se cristalina para quem estuda o Abhidhamma. Além disso, esse estudo permite compreender profundamente a doutrina do Anattā (“Não-Eu”), o cerne do Budismo, crucial tanto filosófica quanto eticamente.
O Abhidhamma também elucida:
- O processo da morte e o renascimento em diferentes planos de existência — sem que nenhuma “alma” transite entre as vidas;
- A doutrina do Kamma (Karma) e do Renascimento, passível de verificação empírica;
- A natureza da matéria (rūpa), incluindo suas unidades fundamentais, forças, propriedades, origem e relação com a mente.
No Abhidhammattha Sangaha, encontra-se uma síntese da Lei da Originação Dependente (Paṭicca Samuppāda), seguida por uma exposição detalhada das relações causais — sem paralelo em qualquer outra filosofia.
É importante ressaltar que o Abhidhamma não pretende ser um compêndio completo de física ou psicologia. Seu objetivo é investigar a mente e a matéria para revelar a realidade última, servindo de base para:
- Uma filosofia que explica a existência;
- Um sistema ético orientado ao objetivo final: Nibbāna.
Como observou a Sra. Rhys Davids, o Abhidhamma aborda:
- O que existe: (a) dentro de nós; (b) ao nosso redor;
- O que aspiramos alcançar.
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O ABHIDHAMMA: UM GUIA PARA OS BUSCADORES DA VERDADE
O Abhidhamma não é um assunto de interesse passageiro, nem se destina ao leitor superficial. Para os sábios buscadores da verdade, ele se revela um guia indispensável e um deleite intelectual, oferecendo alimento para reflexão tanto a pensadores originais quanto a estudantes dedicados que almejam ampliar sua sabedoria e viver de acordo com os ideais budistas.
No entanto, para mentes desatentas, o Abhidhamma pode parecer árido como pó. Surge, então, a questão: “Será o Abhidhamma absolutamente essencial para realizar Nibbāna — summum bonum do Budismo — ou mesmo para compreender a realidade última?”
Sem dúvida, o Abhidhamma é extremamente valioso para uma compreensão profunda dos ensinamentos do Buda e para a realização de Nibbāna, pois oferece a chave que abre as portas da realidade. Ele trabalha com verdades últimas (parāmaṭṭha) e propõe um caminho prático baseado na experiência daqueles que as realizaram. Sem seu estudo, muitos dos ensinamentos mais profundos do Buda podem permanecer obscuros. Para o desenvolvimento do Insight (vipassanā), o Abhidhamma é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa.
Contudo, não se pode afirmar categoricamente que ele seja indispensável para a Libertação. A compreensão (sandiṭṭhika) é uma jornada pessoal. As Quatro Nobres Verdades — alicerce dos ensinamentos budistas — repousam na experiência direta deste corpo e mente. O Dhamma não está separado de nós: “Olhe para dentro, busque a si mesmo. A verdade se revelará.”
A Realização pode ocorrer além dos Textos
- Paṭācārā, devastada pela perda de seus entes queridos, alcançou o despertar ao refletir sobre a água que escorria de seus pés.
- Cūḷapanthaka, incapaz de memorizar um verso em meses, tornou-se um Arahant ao contemplar a impermanência de um lenço branco sob a luz do sol.
- Upatissa (o futuro Venerável Sāriputta) realizou Nibbāna ao ouvir meia estrofe sobre causa e efeito.
Para alguns, uma folha murcha caindo foi suficiente para despertar como Pacceka Buddha. Para o Bodhisatta, a atenção plena na respiração (ānāpāna-sati) foi o fundamento de sua iluminação. Mentes profundas encontram verdades universais em sinais sutis.
Origens do Abhidhamma: Tradição e Debate
Alguns estudiosos argumentam que o Abhidhamma é uma elaboração tardia de monges escolásticos, mas a tradição atribui seu núcleo ao próprio Buda. Comentaristas relatam que ele teria ensinado o Abhidhamma à sua mãe, renascida no reino celestial (Deva), durante três meses. Os princípios fundamentais (mātikā) — como estados mentais kusalā (saudáveis), akusalā (não-saudáveis) e abyākatā (indeterminados) — foram transmitidos a Sāriputta, que os sistematizou nos seis livros do Abhidhamma Pitaka (excluindo o Kathāvatthu).
Seja quem for seu autor, é inegável que o Abhidhamma reflete um gênio intelectual comparável ao do Buda, especialmente no intrincado Paṭṭhāna Pakaraṇa, que detalha relações causais com precisão sem paralelo.
Desafios da Tradução
Encontrar equivalentes em inglês (ou português) para termos do Abhidhamma é um desafio. Palavras como consciência, vontade ou percepção carregam conotações específicas na filosofia ocidental, distintas de seu uso no Abhidhamma. Para evitar distorções, optou-se por manter os termos em Pāli, acompanhados de explicações etimológicas quando necessário.
Expressões como corrupções, impurezas ou atividades volitivas podem soar incomuns, mas são essenciais para a precisão do texto. Seu significado deve ser cuidadosamente assimilado.