Venerável Piyatissa Thera
O objetivo último do budismo é alcançar o estado imortal do Nibbana, a única realidade absoluta. Para tanto, é necessário renunciar aos apegos mundanos e às buscas efêmeras, dedicando-se inteiramente a essa realização espiritual. No entanto, poucos possuem maturidade suficiente para atingir tal estado ainda nesta vida. Reconhecendo essa limitação, o Buda não impõe a renúncia total àqueles que ainda não estão preparados para a vida espiritual superior.
Como alternativa, ele orienta o caminho do benefício mundano, que se divide em dois aspectos: o proveito nesta vida presente e o mérito acumulado para as existências futuras, servindo ambos como degraus para a evolução espiritual. Embora seja permitido desfrutar dos prazeres terrenos, deve-se encarar o corpo como um instrumento para cultivar virtudes em benefício próprio e alheio. Em essência, recomenda-se viver com integridade moral (sila), simplicidade e desapego material.
Sobre a aquisição de riquezas, o Buda ensinou: “Seja diligente e esforçado”; quanto à sua preservação: “Seja prudente e econômico”.
Mesmo seguindo esses princípios, o praticante pode enfrentar perturbações causadas por indivíduos ainda não esclarecidos. Tais provações podem tentá-lo a abandonar seu caminho, mas é precisamente nessas horas que deve reforçar seu compromisso com a paz interior. Como ensina o Buda, é fundamental refletir: “Outros podem agir com malícia, mas eu permanecerei inofensivo; assim devo me disciplinar”.
Não podemos ignorar que a essência do budismo é a pacificação. Na atmosfera serena criada pelos ensinamentos budistas, encontramos todas as condições necessárias para erradicar o ódio, a inveja e a violência de nossas Mentes.
É natural que, no cotidiano, surjam momentos de irritação contra alguém. Contudo, não devemos permitir que essa emoção se enraíze. É crucial dominá-la em seu estágio inicial. O Buda ensinou oito métodos específicos para conter a raiva:
O primeiro consiste em recordar seus ensinamentos. Em diversas ocasiões, ele alertou sobre os perigos do temperamento colérico. Eis uma de suas advertências mais impactantes:
“Imaginem que ladrões capturem um de vocês e o serrem vivo, membro a membro; se mesmo nessa situação surgir raiva em seu coração, esse não é verdadeiro seguidor de meus ensinamentos.”
Majjhima Nikaya 21
Novamente: “Assim como um tronco queimado numa fogueira – carbonizado em ambas as extremidades e sujo no meio – não serve nem como lenha na aldeia nem como madeira na floresta, assim também é o homem dominado pela ira.” — Anguttara Nikaya II, 95
Além disso, podemos refletir sobre os conselhos do Buda encontrados no Dhammapada:
“Ele me insultou, me bateu, me derrotou, me roubou. Quem alimenta tais pensamentos jamais conseguirá acalmar sua inimizade. Pois o ódio nunca se dissipa pelo ódio; só se dissipa pelo amor. Esta é uma lei eterna.” — Dhammapada, versos 4-5
“Não fale com aspereza a ninguém. Aqueles a quem você fere com palavras podem revidar. Palavras iradas machucam os sentimentos alheios, e os golpes podem acabar voltando para você.” — Dhammapada, v. 133
“A paciência é a mais alta forma de austeridade. A tolerância é a maior virtude.”
Assim dizem os Budas. — Dhammapada, verso 184
“Que o homem abandone sua ira. Que ele arranque sua arrogância pela raiz. Que ele supere todos os grilhões das paixões. Nenhum sofrimento atingirá aquele que não se apega ao corpo e à mente, nem reivindica nada deste mundo.” — Dhammapada, verso 221
“Vence a raiva com a serenidade. Vence o mal com o bem. Vence a avareza com a generosidade. Vence a mentira com a verdade.” — Dhammapada, verso 223
“Proteja sua mente contra a explosão de emoções nocivas. Mantenha sua mente sob controle. Renunciando aos pensamentos impuros, cultive a pureza interior.” — Dhammapada, verso 233
Se, ao refletir sobre os conselhos do Buda dessa maneira, alguém não conseguir conter sua ira, então que experimente o segundo método.
Naturalmente, até mesmo uma pessoa má pode ter alguma qualidade positiva. Alguns têm a mente perversa, mas usam palavras enganosas ou agem de forma sorrateira. Outros são grosseiros apenas no falar, mas não em seus pensamentos ou ações. Há os que são cruéis em seus atos, mas não em suas palavras ou intenções. E existem aqueles que são gentis e bondosos em pensamentos, palavras e ações.
Quando sentimos raiva de alguém, devemos buscar alguma virtude nele — seja em seu modo de pensar, falar ou agir. Se encontrarmos algo positivo, devemos focar nisso e ignorar seus defeitos, vendo-os como fraquezas naturais que todos possuem. Ao fazermos isso, nossa mente se suavizará e até mesmo poderemos sentir compaixão por essa pessoa. Cultivando esse hábito, conseguiremos controlar ou dissipar nossa raiva.
Caso esse método falhe, partimos para o terceiro método, que consiste em refletir assim:
“Ele me prejudicou e, ao fazer isso, corrompeu sua própria mente. Por que eu deveria estragar a minha por causa da insensatez dele? Até eu mesmo já ignorei a ajuda de meus familiares; às vezes, minhas ações até os fizeram chorar. Se eu sou assim, por que não deveria simplesmente ignorar o erro desse tolo?”
“Ele agiu mal porque foi dominado pela raiva. Devo eu seguir seu exemplo e também me deixar levar pela ira? Não seria absurdo imitá-lo? Ele, alimentando ódio, destrói a si mesmo. Por que eu, por causa dele, deveria arruinar minha própria paz?”
“Todas as coisas são passageiras. Tanto sua mente quanto seu corpo são efêmeros. Os pensamentos e o corpo que me prejudicaram já não existem. O que chamo de ‘a mesma pessoa’ agora são pensamentos e elementos físicos diferentes daqueles que me feriram — ainda que pertençam ao mesmo fluxo psicofísico. Um pensamento, junto a um conjunto de matéria, me causou dano e depois se dissolveu, dando lugar a outros. Então, com quem estou com raiva? Com o que já se foi ou com o que está aqui agora, inocente? Será justo odiar quem não fez nada?”
“O ‘eu’ não é o mesmo em dois momentos consecutivos. Quando o erro ocorreu, era outro pensamento, outra combinação de moléculas que formavam ‘EU’. Agora, sou outro. Um ser feriu outro, e um terceiro odeia um quarto. Não é ridículo isso?”
Se analisarmos a vida dessa forma, nossa raiva pode se dissipar no mesmo instante.
Há outra maneira de eliminar a ira crescente. Ao lembrar de alguém que nos prejudicou, devemos reconhecer que esse sofrimento surge de nosso kamma passado. Mesmo que outros queiram nos machucar, não conseguiriam se não houvesse uma força latente de ações negativas que cometemos no passado, criando a oportunidade para esse mal. Portanto, o verdadeiro responsável pelo dano sou EU, não o outro. E, ao sofrer as consequências desse kamma, se eu reagir com raiva e causar mais mal, apenas acumularei novo kamma negativo — gerando mais sofrimento futuro.
Lembrar dessa lei do kamma pode acalmar a ira imediatamente. Também podemos refletir assim:
Como seguidores do Buda, sabemos que o Bodhisattva (Buddha em vidas anteriores) passou por incontáveis vidas praticando virtudes antes da Iluminação. O Buda narrou muitas dessas histórias para nos ensinar como ele cultivou paciência, perdão e sabedoria.