Ajahn Jayasaro
Um fundamento importante para uma vida feliz, eu gostaria de sugerir, é uma relação saudável com a ambiguidade e com algo não resolvido. Aliás, em vez de ser uma fonte de irritação ou ansiedade, uma dúvida não resolvida pode às vezes parecer mais como um ganho: você terá duas possiblidades pelo preço de uma.
No meu primeiro ano como monge, passei alguns meses em um dos pequenos mosteiros afiliados a Ajahn Chah no interior de Ubon Rachtathani (Tailândia). Havia um grupo de noviços adolescentes no mosteiro naquela época e eles me deram uma boa oportunidade de praticar a paciência (ou pelo menos assim eu me encorajava). Certo dia, infelizmente, minha paciência inevitavelmente desmoronou e, numa caminhada com o abade (diretor do mosteiro), reclamei com ele. Eu disse que o meu entendimento de nosso papel como monges da floresta era que deveríamos ser um bom exemplo aos apoiadores leigos de como ter presença Mental (sati) e cuidar da floresta.
Nos últimos dias, eu disse, os noviços estavam jogando lixo na floresta em volta do Salão de Dhamma sem nenhuma preocupação com o meio ambiente. É um comportamento feio, negligente e um mau exemplo aos moradores locais. O abade me ouviu com atenção e concordou com tudo o que eu disse. Então, depois de uma pausa, ele pegou uma bala para tosse de sua sacola, colocou-a em sua boca e deixou o papel cair no chão. Eu o vi fazer isso, não disse nada e seguimos caminhando.
Mais de quarenta anos se passaram. Hoje, o abade é um dos mais inspiradores discípulos vivos de Ajahn Chah. Sinto uma grande afeição e respeito por ele. Mas nunca lhe perguntei se naquele dia ele jogou o papel da bala no caminho da floresta como um ensinamento de Dhamma para mim. Sempre tive 95% de certeza de que sim. Mas há uma dúvida que persiste. Nunca tive certeza absoluta. E, ao longo dos anos, descobri que gosto que seja assim.