Bhikkhu Bodhi (1.989)
UM REMÉDIO PARA O DESESPERO
A maioria de nós vive nas gaiolas frias e apertadas de nossos projetos privados, lutando freneticamente para marcar nosso próprio lugarzinho confortável ao sol. Levados em círculos por anseios ansiosos e desejos convidativos, raramente olhamos para o lado para ver como nosso vizinho está se saindo, e quando o fazemos, geralmente é apenas para nos assegurar de que ele não está tentando invadir nosso próprio domínio ou para encontrar algum meio pelo qual possamos estender nosso domínio sobre o dele.
Ocasionalmente, no entanto, de alguma forma acontece que conseguimos nos desligar de nossas buscas obsessivas por tempo suficiente para chegar a uma clareira mais ampla. Aqui, nosso foco de preocupação sofre uma mudança notável. Elevados acima de nossa fixação habitual em objetivos míopes, somos levados a perceber que compartilhamos nossa jornada do nascimento à morte com inúmeros outros seres que, como nós, estão cada um com a intenção de uma busca pelo bem. Essa percepção, que muitas vezes derruba nossas noções egocêntricas do bem, amplia e aprofunda nossa capacidade de empatia.
Ao quebrar as paredes da autopreocupação, ela nos permite experimentar, com uma intimidade particularmente interior, o desejo que todos os seres nutrem de estar livres de danos e encontrar uma felicidade e segurança invioláveis. No entanto, na medida em que esse florescimento da empatia não é uma mera efusão emocional, mas é acompanhado por uma facilidade para observação precisa, pode facilmente se transformar em uma rampa que nos joga de nossa liberdade recém-descoberta em um abismo de angústia e desespero.
Pois quando, com os olhos desimpedidos por viseiras emotivamente tingidas, nos voltamos para contemplar a vasta extensão do mundo, nos encontramos olhando para uma massa de sofrimento que é vertiginosa em seu volume e medonha em sua intensidade. A garantia de nossa complacência é a alegria muda e irrefletida com a qual concordamos com nossa ração diária de excitação sensual e elogios que aumentam o ego. Vamos levantar nossas cabeças um pouco mais alto e lançar nossos olhos ao redor, e contemplaremos um mundo mergulhado em dor onde os males inerentes ao ciclo de vida normal são agravados ainda mais pela dureza da natureza, a ironia sombria do acidente e a crueldade dos seres humanos.
Enquanto tateamos por um gancho para nos impedir de cair nos poços do desânimo, podemos encontrar o apoio de que precisamos em um tema ensinado para recordação frequente pelo Buda: “Os seres são os donos de seu kamma, os herdeiros de seu kamma; eles são moldados, formados e sustentados por seu kamma, e herdam os resultados de suas próprias boas e más ações.” Muitas vezes, essa reflexão foi proposta como um meio de nos ajudar a nos ajustar às vicissitudes em nossas fortunas pessoais: aceitar o ganho e a perda, o sucesso e o fracasso, o prazer e a dor, com uma mente que permaneça imperturbável. Este mesmo tema, no entanto, também pode servir a um propósito mais amplo, oferecendo-nos socorro quando contemplamos o sofrimento imensuravelmente maior no qual multidões de nossos semelhantes estão envolvidas.
Confrontados com um mundo que é tomado por conflitos, violência, exploração e destruição, nos sentimos compelidos a encontrar alguma maneira de dar sentido às suas consequências malignas, para sermos capazes de ver na calamidade e devastação algo mais do que caprichos lamentáveis, mas sem sentido, do destino. O ensinamento do Buda sobre o kamma (karma em sânscrito) e seus frutos nos dá a chave para decifrar o fluxo de eventos de outra forma ininteligível. Ele nos instrui a reconhecer nas diversas fortunas dos seres vivos, não capricho ou acidente, mas a operação de um princípio de equilíbrio moral que garante que, em última análise, um equilíbrio perfeito seja obtido entre a felicidade e o sofrimento que os seres sofrem e a qualidade ética de suas ações intencionais.
A contemplação sobre a operação do kamma não é um expediente frio e calculado para justificar uma resignação estoica (modo grego de vida) ao status quo. Os caminhos do kamma são labirínticos em sua complexidade, e a aceitação dessa ordem causal não impede uma batalha contra a avareza, brutalidade e estupidez humanas, nem sufoca ações benéficas destinadas a impedir que ações prejudiciais encontrem a oportunidade de amadurecer. A reflexão profunda sobre a retribuição cármica, no entanto, nos prepara contra os choques da calamidade e da decepção, abrindo à nossa visão a teimosa dificuldade de um mundo governado pela ganância, ódio e delusão, e a profunda legalidade oculta conectando suas turbulentas correntes subterrâneas com o vaivém dos eventos superficiais.
Enquanto por um lado essa contemplação desperta um senso de urgência, um impulso para escapar da rodada repetitiva de ações e resultados, por outro lado, ela emite equanimidade, um equilíbrio interior imperturbável fundado em uma compreensão realista de nossa situação existencial. A equanimidade genuína, que está longe da indiferença insensível, nos sustenta em nossa jornada pelas corredeiras do saísára. Concedendo-nos coragem e resistência, ela nos permite enfrentar as flutuações da fortuna sem sermos abalados por elas e encarar o sofrimento do mundo sem sermos destruídos por eles.
Extraído do livro:
Reflexões do Dhamma, coleção de Ensaios do Bhikkhu Bodhi – por ocasião do seu 70° aniversário, publicado pela Sociedade Budista de Publicações, 289 páginas. 2015. Kandi, Sri Lanka.