Michael Beisert / Ṭhānissaro Bhikkhu
Uma rápida olhada nos suttas em Pali mostra que nenhum desses argumentos possui muita substância. O ensinamento sobre o renascimento aparece em quase todos os lugares no Cânone, e está conectado de forma tão íntima com uma multiplicidade de outras doutrinas que removê-lo iria na prática reduzir o Dhamma a farrapos. Além disso, quando os suttas falam sobre o renascimento nos cinco reinos – os infernos, o mundo animal, o mundo dos fantasmas, o mundo humano e os paraísos – eles nunca sugerem que esses termos possuem um significado simbólico. Ao contrário, eles até mesmo dizem que o renascimento ocorre “com a dissolução do corpo, após a morte,” o que claramente significa que a intenção é de tomar a idéia do renascimento de modo literal.
Neste ensaio não irei argumentar em favor da validade científica do renascimento. Ao invés, desejo mostrar que a idéia do renascimento faz sentido. Sustentarei que “faz sentido” sob dois aspectos: primeiro, que é inteligível, tendo um significado tanto intrínseco como em relação ao Dhamma como um todo; e segundo, que nos ajuda a fazer sentido, a compreender o nosso lugar no mundo. Tentarei estabelecer isso em relação a três esferas de discussão, a ética, a ontologia e a soteriologia. Não se assustem com essas palavras complicadas: o significado irá se aclarar à medida que avançarmos.
As considerações acima não têm a intenção de fazer a crença no renascimento uma base necessária para a ética. O próprio Buda não tentou estabelecer a ética por sobre as idéias de kamma e renascimento, mas usou um tipo de raciocínio moral puramente naturalista que não pressupõe a sobrevivência ou as operações de kamma. A essência do seu raciocínio é que simplesmente não devemos abusar dos outros – machucando-os, roubando as suas posses, explorando-os sexualmente, ou enganando-os – porque nós mesmos nos opomos a sermos tratados dessa forma. No entanto, embora o Buda não fundamente a ética na teoria do renascimento, ele faz da crença em kamma e renascimento uma forte persuasão para o comportamento moral. Quando reconhecemos que as nossas boas e más ações podem repercutir sobre nós mesmos, determinando as nossas vidas futuras e trazendo-nos felicidade ou sofrimento, isso nos dá uma razão decisiva para evitar a conduta imprópria, e com diligência buscar a apropriada.
O Buda não fala sobre o que renasce, mas ele fala sobre como isso acontece. E como isso acontece é o que está acontecendo em sua mente neste momento. É um processo chamado de “vir a ser”, ou devir. Você começa com um desejo. Em seguida, aparece uma condição do mundo em que este objeto de seu desejo pode ser encontrado, e uma condição de você como um indivíduo nesse mundo, que, em primeiro lugar, vai se beneficiar do objeto do desejo quando você o obtiver e, segundo, tem a capacidade de obter esse objeto. Por exemplo, suponha que você queira uma pizza. Imediatamente, há o mundo do lugar onde fica a pizzaria mais próxima. Esse é o mundo da pizza.
E tem o “você” que vai comer a pizza e o “você” que tem que ter dinheiro para comprar a pizza e o carro que você pode dirigir para ir até a pizzaria. Tudo isso—o mundo da pizza e o “você” preocupado com a pizza—é chamado de devir. Esse tipo de processo está acontecendo na mente o tempo todo. Um desejo é seguido por outro e depois outro desejo, e há outro devir, devir… um devir para cada desejo.
Agora, veja, quando você não pode mais ficar no corpo, este processo continua. A mente se agarrará a um desejo, um mundo aparecerá em torno do objeto desse desejo, e então você terá o nascimento como uma identidade dentro desse mundo. A questão é, você quer continuar esse processo ou quer parar? O Buda nunca falou sobre o que é que renasce, simplesmente falou que é assim que acontece todo o processo de renascimento, e, ao treinar a mente para parar os processos do devir, você pode parar o processo de renascimento.